Curitiba, 23 de junho de 1991.
Falar de Curitiba é dizer da namorada antiga. Desejada – mesmo.
Que ao contrário das mulheres de todas as vidas, não envelheceu, não engordou, nada mudou. Ao contrário, em sentido invertido dos meus cabelos brancos, hoje maior e quase que absoluta, a cada dia que passa fica mais jovem, faceira, brejeira, apetecível… mais, hum…. amada! Na forma e na métrica da que jamais foi possuída por quem a canta em prosa, verso ou soletra em pauta musical. E assim, não levada ao tálamo, muda de século sendo a melhor, por jamais usufruída até o fim, completamente, sem retorno…
Curitiba feminina, de lábios cheios; bonita e debutante. Virgem?… talvez, mas não com certeza.
Matreira, vestida sem timidez, mas sem esconder nada, mostrando de leve o todo que tem; com o sabor da fantasia escondido. De pecado só prometido: para depois do amanhã; quem sabe em Janeiro(ou fevereiro), na descida da praia, como mote e remote de que “amor de praia não sobe serra”…
Olho para trás: e é difícil, mesmo, encontrar fato importante de minha vida que não esteja entrelaçado com a minha menina-moça; mulheraça; toda desejada, jamais possuída…
A Curitiba de meus primeiros anos, com a Praça Osório de árvores então baixas, quase que recém plantadas. De onde saiam, tímidas, envergonhadas, as ruas Comendador Araújo e Vicente Machado, recém calçadas de irregulares e escuros paralelepípedos…
A primeira casa, ali no canto da Praça (onde hoje está o Edifício Kwasinki…): sobradinho de andar único; embaixo, duas lojinhas: uma onde era o consultório odontológico de Doutora Lizete, a única dentista de quem jamais tive medo e a quem amei; e que hoje está casada com o gordíssimo e bom Rigotti Alice, também dentista. E que… casando com a colega, tirou da mão dela o Boticão, impondo condições de só… esposa!
Na outra os primeiros da família Chamecki, judeus de boa cepa e quem sabe, tenham sido os primeiros a me fazer querer bem, amar mesmo, o povo nato na Terra Prometida… Dali saia, todas as tardes, o menino com o cabelo duro de “Gumex”, arrumado por Dona Hilda, então mocinha e noiva do Paraná, em direção à “Escola de Aplicação”, bem pertinho, no começo da Emiliano Perneta, então totalmente doméstica cheia de moradias nobres enfeitadas…
Depois Curitiba – Batel. Rua Coronel Dulcídio e a Escola Primária da fantástica Dona Branca Miranda. Em curso fundamental que se baseou minha vida: cheguei ao exame de admissão no Colégio Santa Maria até falando francês! Pronto para o Ginásio, que não foi mole.
Com a rua XV de Novembro dando mão bairro centro; carrões de Praça “daquele” tamanhão, incluindo um Lincoln Continental com… doze cilindros (a gasolina era franca, forte e barata: vinha da América em galões, em latas).
Deste Santa Maria do tempo do irmão Luiz Vicente, espanhol notável (nascido em Vitória!), que acompanhava “seus meninos”, seus alunos até a prova oral das diversas faculdades; e batia dedo com Examinadores pelos “seus meninos”, seus apelidos, suas crias… Mais os irmãos Cirineu Alvarenga, Rubens Modesto, Raul Clemente.
Sem falar no irmão Ruperto (o camelô); sem dizer do irmão Albano. De todos só o último esteve presente em minha, na nossa Curitiba até pouco tempo atrás! E os outros, em que nuvem, em que patamar do além estarão, hoje? Estarão??…
Gente de Curitiba. Do jornal O DIA, onde entrei em 1948, com doze anos de idade, Carteira assinada e tudo… Para privar com Ivar Feijó, Saul de Quadros, Barros Cassal… o “Repórter Galo”, da página policial, o único jornalista do mundo (que existiu, sem dúvida, existiu mesmo, tem provas), e que…. não sabia escrever! Nem a mão, nem a ninguém! Mas, que reportaço!
Curitiba da PRB2, depois da Guairacá que dominavam, sozinhas, o mercado da cidade. E onde também estive na produção do BOM DIA PARANÁ, junto com um jovem magérrimo, verdadeira “sombra de gilete”, que se chamava João Feder, um portento na redação, pioneiro notável na arte de fazer notícias.
E foi minha Curitiba que me fez acadêmico de Direito na mesma escola onde meu pai já era Mestre; e na qual tornei-me professor, com muito orgulho.
Curitiba notável que enche meu peito de orgulho e que de quando em vez, já por último cada dia mais freqüentemente, faz embarcar meus óculos com repetidas, seguidas, continuadas emoções. Regininha (hoje muito maior que eu no jornalismo); Júnior (ganhou de mim na Advocacia de trincheira). Kitty, levantou vôo, está na América do Norte, gerente de um dos maiores Hotéis de Orlando, cadeia internacional de hospedarias…).
E por derradeiro, mas não esquecidos,Napoleão Neto e Allan Domício… Todos filhos de Curitiba, netos de Curitiba, bisnetos de Curitiba…
E é esta Curitiba que vai abrigar, cedo ou mais tarde, o que sobrar deste seu apaixonado filho, irmão, amante, amigo… adorador, quem sabe. Mas eternamente namorado, enredado, sobretudo feliz e muito grato.
Curitiba que não atinge nunca a maturidade. Que continua menina. Enfeitada com muito amor pelo Jaime Lerner (de quem eu deveria ter ciúme, mas não tenho…). Com o melhor transporte do País. Com o melhor sistema de vida da América Latina. Com seus Parques, com suas luzes, com seu verde.
Curitiba de namorados tantos, bons ou maus, certamente mais abeis do que eu. Dos Ritzmann, dos Loureiro, dos Leão e dos Muller e Mueller… Dos Thá e Sperandio, dos Zilli – que eram de Morretes e não são mais: grandões, desajeitados, cheios de música e de vida. Dos Requião e dos Wisowski. Dos Piecknick e dos Wyatt. Dos Maranhão e dos Gradowski. Dos Ferreira do Amaral, dos Monastier!
Meu Deus, tanta gente – e quantos estão faltando neste encerramento de coluna. Que viveram comigo. Que amaram comigo. Que sonharam e cresceram comigo! Curitibanamente feliz….
Há mais o que dizer. Está faltando engenho e arte. E força – que saudade também mata.
E como mata, gente!
É isto mesmo: Curitiba – eu te amo, muito… e já há muito tempo!…
JOÃO RÉGIS FASSBENDER TEIXEIRA (in memorian)
Advogado
Professor titular de Cadeira de Direito do Trabalho na UFP
Jornalista