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Glaucio José de Mio Geara

“Sou da Curitiba das matinês”, relembra Glaucio José de Mio Geara

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Glaucio José de Mio Geara

 

Curitiba, 16 de dezembro de 1990.

Quero mandar esta carta à Curitiba e quero que ela receba. Para que isso aconteça, tenho que
saber onde ela mora: rua, número e CEP.
Se não, não chega. Não ria, isso vai fazer sentido logo a seguir.
E é esta a mensagem que quero que Curitiba receba:
Sou descendente de italianos (De Mio) e de árabes (Geara). Um casamento que seria quase
impossível nos países de origem de meus avós. Mas eles vieram para o Brasil e descobriram um mundo novo, aberto a todos os estrangeiros de boa vontade.
Sou da Curitiba de quando as grandes chácaras ficavam no centro da cidade. Nasci numa delas no final da Carlos de Carvalho, por volta de 1950. Curitiba era ainda uma pacata cidade que abrigava uma população de imigrantes que se estabelecia em bairros distintos.
Sou da Curitiba dos aterros feitos pelas carroças puxadas por pacientes burricos.
Com apenas um sinal de carroceiro, o burrico sabia que podia andar e levar sozinho,
a terra até os banhados da Saldanha Marinho. Modo singelo e até poético de
se fazer crescer uma cidade.
Sou da Curitiba dos balões de junho. Céu inteiro iluminado,
e as turmas atrás do balões. Ninguém rasga! Ninguém bucha!
Sou da Curitiba dos polacos, italianos alemães e brasileiros ocupando
os bancos do grupo Júlia Wanderlei.
Diversas origens, mas um coro só na hora de cantar o Hino Nacional. Saíamos de bairros
distantes para as primeiras lições de linguagem, tabuadas e fraternidade.
Sou da Curitiba das matinês, tempo em que todos os cinemas mudavam o filme às
quintas-feiras. Todos. E na porta, os infalíveis baleiros, com seus tabuleiros cheios de
guloseimas: “Olha o Mentex, Sonho de Valsa, amendoim salgado e doce.”
Vamos levando porque lá dentro não tem “bomboniére”.
Sou da Curitiba da Rua XV, não da Rua das Flores. Florida era a mocidade que passava,
sem vícios. As meninas bonitas do Instituto de Educação. O papo amigo no Café Ouro Verde.
Curitiba das mocinhas da cidade.
Sou da Curitiba da lotação para ir ao Portão, ao Bacacheri,
á Campina do Siqueira, à Caixa D’Água.
Sou da Curitiba de corpo e alma.
Não renego a Curitiba moderna, Capital Ecológica.
Mas, apesar de não ser “velho” posso me considerar saudosista de uma Curitiba mais pacata,
menos barulhenta, que sabia o nome de todas as ruas e de todos os vizinhos de rua,
que se cumprimentava ao passar, que comprava no caderno no armazém, sem fraudes, sem
amolações, que jogava futebol no campinho do bairro. Curitiba da garoa, onde está?
Se Curitiba está se metendo numa moderna roupa de aço, concreto e esquecimento,
é tempo de se rever tudo isso.
E tempo de se fazer na educação um trabalho honesto. Ensinar o nome das ruas às nossas
crianças e nome dos vultos que estão nas placas dessas ruas. Eles são nossa memória viva,
ativa que cresce com a cidade. Quanto mais ruas, mais nomes para dar a elas.
Que os estrangeiros que querem morar em Curitiba respeitem nosso “leite quente”.
Não devemos nada a nenhuma cidade. Sem medo de reverenciar nossos avós, bisavós, tetravós. Não podemos é perder nossa identidade.
Curitiba precisa resistir bravamente ao progresso que não respeita o passado.
O homem é o único animal que pode transmitir sua cultura com inteligência mudando o que está errado, acrescentando melhorias.
Essa Curitiba eu quero: que tenha nome, endereço, CEP e que receba críticas e propostas construtivas. E que responda com educação, fraternidade e muito otimismo.

GLAUCIO JOSÉ DE MIO GEARA
Diretor superintendente da Dipave
Vice Presidente da Associação comercial do Paraná
Membro da Diretoria do Sindicato Varejista de Veículos

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