Curitiba, 7 de outubro de 1990
Ah, esse amor demais antigo, Curitiba, como na música do Roberto, amada amante, esposa e
namoradinha eterna. Desde quando não sei. Consigo lembrar o menininho de calça curta,
brincando, nas ruínas do Colégio Progresso. Ou das noites de blecaute, a grande guerra, nas
madrugadas de inverno a família toda nas filas de racionamento, do açúcar e trigo.
As fotos da cidade? São em preto e branco, mas na memória arco-íris é pouco. Lembrando o avô de chapéu, remando nos barcos do Passeio Público, as imagens pousadas da família na Foto Weiss da Barão do Rio Branco, Foto Progresso da São Francisco e a Foto Brasil da Rua XV. Depois, as da Foto Cheque Americano, coloridas a mão. Inclusive aquela em que eu,
garoto, vestia fantasia de russo com lança perfume e tudo.
Em dezembro completo cinquenta e cinco anos de vida e intensa paixão por essa cidade. Há mais de quarenta,
dedico-lhe mal traçadas linhas de amor e sempre adorei selecionar as fotos antigas no
Cid na revista ou então fazendo sempre novas fotos. As cores da cidade sempre
foram alegres e lindas, mesmo quando nas P&B.
Só agora nesta foto colorida de primeira página, semanas atrás vejo que a cidade ainda guarda muito de sua maldade e repressão. Não pude acreditar: o Eddy Franciosi que nós tanto amamos, exposto daquela maneira, a quatro cores e não sei quantas mãos. Por essas mãos que puseram sua foto, ele foi pela segunda vez assassinado e de forma muito mais brutal. Não se preocuparam em procurar o criminoso, mas sim em chafurdar, remexer na vida de um dos melhores profissionais que tivemos na imprensa, um dos maiores no teatro.
Os lindos verdes e os caminhos floridos dessa cidade em branco e azul (como dizia Cacilda
Becker que morreu antes de realizar seu sonho de viver aqui). Essas cores foram
profundamente magoadas naquela foto colorida de sangue.
Nessa carta à minha cidade, impossível guardar tristeza.
NELSON FARIA DE BARROS (in memoriam)
Jornalista