Curitiba, 31 de julho de 1988
VERA LAUFER, de forte personalidade, extremamente comunicativa, optou pelo Brasil para desenvolver sua atividade. Ligada ao campo da moda, desde muito cedo, internacionalmente conhecida, Vera viveu e vive intensamente suas experiências no setor, nesta entrevista, ela nos conta como chegou lá e como desenvolve seu trabalho e as lutas que teve. Esta é Vera. Sra. Luigi Bonatto.
IZZA – Vera, você lida com a moda. Conte-nos como você começou e onde?
VERA – Eu nasci em Budapeste. Fui criada em Roma e, há trinta anos, estou no Brasil. Morei em São Paulo e já faz dez anos que moro em Curitiba. Posso dizer que sou brasileira nascida na Hungria. Comecei a trabalhar em moda muito cedo. Certa vez, Jacques Heim vinha fazer um desfile em São Paulo, e como ele não falava português e a compradora da Clipper não falava francês, eu entrei como tradutora. Adorei a moda, comecei de cima para baixo, então me animei a saber tudo, entrar como vendedora, etc. Logo depois fui assistente da compradora, e na SEARS cheguei a ser compradora geral de todas as lojas. Lá eu organizei desfiles com Miss Brasil, Miss Universo e grandes manequins. Depois me cansei de trabalhar, namorei um brasileiro, não deu certo porque meus pais achavam que o brasileiro não servia para marido e eu muito infeliz por isso na época, resolvi então viajar, e algumas semanas antes fui contratada pelo “Noticiário da Moda”, como jornalista enviada ao estrangeiro. Através disto conheci grandes nomes, franceses e italianos.
Na França me dei muito bem com Pierre Balmain, aliás, foi ele quem escolheu o perfume que uso até hoje, “Joly Madame”. Conheci também Pierre Cardin, uma pessoa maravilhosa, educadíssima e super pontual. Quando me avisaram que ele me recebería às 8 horas da manhã, fiquei surpresa e duvidei que uma figura dessas estivesse já trabalhando tão cedo, mas era verdade, pois pontualmente na hora marcada, fui gentilmente atendida. Contactei também com Coco Chanel, o pessoal da Nina Ricci e lá eu tinha que ser tradutora entre as ricas americanas. Na Itália conheci muito bem Valentino, Pucci. Fiquei um ano e meio na Europa e sempre mandava minhas reportagens para o Brasil.
Quando voltei, o Alcântara Machado me ofereceu uma nova oportunidade: organizar desfiles (eu havia conhecido quase todos os nomes importantes italianos e franceses), trabalhar na Fenit e convidar essas pessoas. Fui eu quem fez o 19 grande desfile na Fenit, com seis costureiros e seis manequins, um comitiva de quinze pessoas à qual o governo italiano proporcionou a viagem, e o Alcântara Machado, a estadia. Foi maravilhoso. Um dos costureiros foi o Hugo Castellana, o irmão caçula de minha melhor amiga. Ele ficou encantado com o Brasil, nos apaixonamos e ele resolveu mudar para cá. Eu o considero, hoje, um dos melhores costureiros.
IZZA- Como foi essa fase da sua vida?
VERA – Foi uma fase muito boa. Cuidava mais da parte administrativa. E, na ocasião do divórcio, muita gente deu palpites. Achavam que nunca poderiamos nos separar. Chegou ao cúmulo. Até a Manchete me convidou para dar uma entrevista e justificar o “porque fomos nos divorciar. Naquele momento de absurdo, eu ia a um coquetel, teatro ou a outro lugar e todos pareciam estar somente preocupados com o fato. Isso me aborreceu e nesta fase apareceu um convite para vir a Curitiba na Sintetex. Eu fiquei um pouco preocupada porque não conhecia ninguém aqui, somente Calil Simão que havia ido muitas vezes a minha casa, lá em São Paulo. Na época eu trabalhava como gerente geral de Clodovil, mas a oferta foi realmente muito boa.
Se eu viesse, ganharia quatro vezes mais do que ganhava no momento e resolvi aceitar. Vim e morei oito meses no hotel pois não sabia se me adaptaria, já que havia vivido em cidades grandes como Budapest, Roma, Paris, Londres, São Pauto e a princípio fiquei meio insegura, mas adorei Curitiba e de repente a fábrica fechou. A esta altura, eu já havia me estabelecido aqui e já tinha comprado até um apartamento. Me recordo que a entrada meu pai pagou, e o restante consegui quitar com esforço. Aderi a esta vida livre, sem compromissos, e principalmente eu não teria que estar sempre impecável, ter mordomo, cozinheira, etc. Ninguém sabia quem eu era, de onde vinha, as pessoas gostavam de mim peto que eu realmente era. Não precisei mais ser impecável por esposa de costureiro. No início fui levando e comecei a fazer desfiles.
IZZA- E depois dessa etapa?
VERA – Me perguntaram se eu não queria ser representante, pela minha bagagem. Fiquei com medo, mas acreditaram em mim e eu nunca havia imaginado que me sairia tão bem. Atualmente parece que sou uma as melhores representantes do Brasil, porque me organizei bastante. Criei um estilo. Hoje em dia trabalho onde moro, consigo casar o trabalho com minha vida particular. Consigo fazer copper, massagem e no intervalo, falar com os clientes ao telefone. Este é meu trabalho.
IZZA- Depois de você ter viajado e morado em lugares fantásticos, por que optou por Curitiba?
VERA – Os meus amigos franceses sempre me perguntam isto. Para os amigos europeus seria muito mais cômodo que eu vivesse no Rio de Janeiro ou Salvador. Por acaso o convite saiu daqui e eu me apaixonei pela cidade, aqui fiz grandes amizades. Em São Paulo o pique é outro, as pessoas não têm tempo de dar, nem receber amizade. Aqui tenho meu apartamento, meus móveis, meu trabalho que conquistei com esforço. Aqui me realizei como profissional e isto para mim foi muito importante. Além disto, estou um pouco cansada de grandes cidades. Eu adoro acordar com o canto dos pássaros, adormecer com o silêncio e aqui eu tenho tudo isto. Meus amigos são muito queridos, me dou muito bem com eles. Estou bem, em casa, dentro deste calor humano.
IZZA- Vera, mas geralmente as pessoas que vêm de fora, acham Curitiba uma cidade fria, dizem até que o curitibano é extremamente fechado, etc.
VERA – Não é verdade. Quando temos amigos e quando as pessoas aprendem e compreendem, começam a nos saberem que queremos somente receber e dar calor humano, então se abrem e são extremamente leais. Curto os meus amigos, e adoro a possibilidade de fazer Cooper pela manhã sem correr o risco de ser assaltada. Em São Paulo e Rio nem se fala. Acho que aqui é a última cidade em que podemos viver bem, em paz. Adoro viajar, ver novos lugares, conheço muito a Europa, mas vivo aqui porque gosto. Depois que conheci meu marido em Vicenza, na Itália, pensei em morar lá, mas prefiro aqui. E, ele veio também para cá. Luigi tinha um restaurante lá, mas aqui está comigo.
IZZA- Sobre o teu trabalho, você acha que a situação atual afetou o ramo de representações?
VERA – Nada afeta se as pessoas trabalham. Digamos que agora eu tenho que atuar um pouco mais. Até agora eu não fazia certas praças que atualmente estou fazendo. O importante é trabalhar. Todo mundo fala da crise e aproveita para dizer que as coisas não vão bem, mas se todos atuassem mais, poderiam superá-la. A minha secretária sempre entrava às 9 horas, agora entra às oito, porque temos muito o que fazer.
IZZA – O que eu pude observar no geral, é que as vendas caíram.
VERA – Não acredito. Uma mulher que antigamente comprava quinze peças, compra agora só dez, mas compra. Ela gosta de se vestir e, se tiver um certo nível social, continuará se vestindo bem. Os lojistas têm que trabalhar sem falar em crise. Claro, a crise afeta certa classe. Algumas mulheres têm que pensar primeiramente no bem-estar da família. Eu trabalho com a classe média para cima e não senti tanto a crise. Claro, precisei abrir novas frentes. A mercadoria sendo boa e bonita, a venda é certa. Tenho a “Un Deux Trois”, “MS”, “Miss Nuvem”, “Arremato”, “La Linha” e “X em C”. Até agora eu tinha quatro, mas atualmente tenho oito. Ganho. Ganho a mesma coisa que ganhava antes, mas tenho que trabalhar mais. É assim que podemos superar a crise. IZZA: Você não acha que o brasileiro não se conscientizou ainda destas necessidades?
É uma questão de escola, de ensinamentos do povo, sabe. Até agora, era tudo fácil. Há trinta anos, quando cheguei, não existia pobre com fome, e sim pobre em trapos porque não tinham vontade de trabalhar, consequentemente faltava roupa para vestir, mas com fome não, porque a comida era baratíssima. Agora o problema é a comida, que está caríssima. Até as empregadas são em número menor. Ter duas ou três a mais, complica. As necessidades começaram. Veja, eu venho de um país socialista. Nasci lá. Os húngaros de- testam o comunismo. Adoram viver e se divertir, mas infelizmente há muitos anos vivem no regime comunista que eu pessoalmente detesto, por isso saí de lá. Realmente acho que o muito rico brasileiro deve pensar bem. O povo não deve ter fome. Um pai ou uma mãe quando vêem que o filho tem fome e chora por isso, roubam. Ainda mais sabendo que alguns têm demais. Atualmente acontecem coisas que temos que entender. Isto eu não estou dizendo que seja comunismo, mas acho que não é possível que o governo brasileiro não veja certas coisas. Por exemplo: minha secretária foi operada, ainda não conseguiu receber do INPS. Segundo a lei, tenho que pagar uma parte e o INPS a outra. Paguei porque ela merece e é ótima, mas eu falo da lei. Como o INPS é corretamente pago, a lei deve ser cumprida.
Tudo demora. E depois eu dou todo o carinho e cuido para que ela não fique de pé, e lá ela tem que enfrentar muitas horas assim, inclusive na fila. Creio que o povo ainda não se conscientizou de seus direitos. Nunca vi isto em lugar nenhum, na Inglaterra, França, Itália, Escandinávia, essas filas enormes do INPS porque o ser humano lá é respeitado e aqui, se não tem posses, não é respeitado. Não sou comunista, odeio esse sistema e de fato vim de um país comunista, mas sei que o húngaro não é assim, gosta de viver, gastar, cantar, trabalhar e os que não estavam de acordo, saíram de lá. Acho que o pobre não deve ser pisado e sim respeitado e ajudado como ser humano que é, porque se não tiveram condições de estudar, talvez os filhos deles tenham e cheguem a ser alguém. O povo brasileiro é extremamente bom e paciente. Quando cheguei ao Brasil, não existiam greves e por isto muitas indústrias estrangeiras se estabeleceram aqui, mas agora está tu- do diferente. Acredito que os grandes executivos e os capitães de indústrias deveriam dar melhores condições humanas para seus empregados, para que eles possam viver decentemente. Na Europa, o pobre se faz respeitar trabalhando e fazendo o máximo para melhorar. Acho que o nosso Governador está fazendo um excelente governo, pois tem uma cabeça jovem e dinâmica.
IZZA – Vera, nestes anos todos de projeção social e muitas viagens você fez grandes amizades?
VERA – Meu irmão sempre achou interessante o fato de eu ter sempre amigos de destaque. É simples, porque quando eu comecei eles também estavam iniciando suas atividades. Subimos juntos na mesma época, eu na moda e eles em seu setor. Conheci Darci Penteado há trinta anos atrás, e claro, que naquela época ele não era tão famoso quanto hoje. Eduardo Iglesias trabalhava na Alitália, atualmente é famoso por suas pinturas e muito cotado na Europa. Conheci Calabronni quando ainda não tinha fama, inclusive dei o ouro para que me fizesse uma peça, hoje ele é conhecidíssimo na Itália e no Brasil. Os artistas: Cacilda Becker, conheci na época do TBC e outros como Raul Cortez, Walmor Chagas, Paulo Autran, a divina Bibi Ferreira, todos ficaram meus amigos. Sabemos que pintores, escultores, artistas, enfeitam as festas, dão graça e colorido e como eu, na minha atividade, participava muito, tive a oportunidade de conhecê-los e continuam sendo meus amigos.
IZZA – Para finalizarmos, você poderia nos contar qual foi o acontecimento que mais a marcou?
VERA — Eu tinha oito anos e estava com meu tio no Museu do Vaticano. Desde pequena sempre adorei arte. Meu tio me explicava no momento, como e porquê também admirava a arte. Inclusive, para ajudar no orçamento, nos fiais de semana ele mostrava o Museu para os turistas. Falávamos em húngaro, quando se aproximou um cardeal. Nos perguntou se éramos húngaros porque ele havia sido Núncio em Budapeste. Começamos a conversar, sentei no colo dele e lhe expliquei que ainda não havia sido batizada porque, sendo meu pai católico e minha mãe judia, caberia a mim decidir quando fosse grande.
Sim, grande para mim, seria no próximo ano, quando tivesse 9 anos. Perguntou-me então, qual era o meu interesse maior no momento, e respondi que era a bicicleta que o meu pai me havia prometido. Ele era um homem maravilhoso, me abençoou em católico e em judaico, dizendo que estava fazendo isto porque Deus era um só e para que ele me ajudasse a escolher a minha religião. Queria rezar por mim para que eu decidisse. Alguns anos se passaram e ele se tomou Papa Pacelli. Quando vou a Roma, não deixo de visitar a tumba dele, rezar e agradecer, porque acho que este homem me ajudou muito na vida, e me dá muita sorte porque foi uma personalidade fantástica e inesquecível.