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“PROCURO SEMPRE O LADO POSITIVO EM TODAS AS SITUAÇÕES” afirma Márcia Bezerra

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Curitiba, 5 de junho de 1988

MÁRCIA BEZERRA, foi chefe do Serviço Social Escolar e chefe do Serviço Estadual de Merenda Escolar da Secretaria de Educação. Responsável pelo Serviço de Saúde Escolar, coordenadora de Assistência ao Educando, chefe do Departamento de Projetos da Cruz Vermelha Brasileira, filial do Paraná, presidente da Casa do Professor do Paraná. Esta é Mareia, Sra. Clovis Bezerra, promotor de Justiça, é atualmente assessora do ministro Da Saúde Borges da Silveira.

 

IZZA – Márcia, você é uma pessoa muito dinâmica, começou a trabalhar cedo?

MÁRCIA – Eu me formei com dezessete anos e comecei realmente a lecionar com dezoito e permaneci por oito anos. Então iniciei minhas funções administrativas. Fui chefe de vários setores da Secretaria de Educação. O primeiro foi a chefia do Serviço Social Escolar. Naquela época, o Paraná foi pioneiro na organização e dinamização da associação de pais e mestres que anteriormente era associação de pais e professores. Foi um trabalho maravilhoso de muito retorno positivo, pois seria basicamente o envolvimento dos pais na educação dos alunos, os filhos, porque a mentalidade era sempre de levar os filhos à escola e largá-los sob a responsabilidade do professor. A criança pertence a dois mundos: a casa e a escola e eles têm que estar unidos, falar a mesma linguagem porque muito problema que a criança tem na escola é reflexo do lar e vice-versa. Consequentemente, os pais e professores nessa tarefa, tem que estar juntos permanentemente. O trabalho tem este objetivo: trazer os pais para dentro da escola.

IZZA – Esses pais aceitam ou vêm facilmente?

MÁRCIA – Não vêm facilmente. Nós começamos isso em 1970. São dezoito anos de chamadas com o propósito de fazer com que a educação vá além dos muros da escola e atinja a casa do aluno também. Se analisarmos os problemas dos alunos de nível sócio-econômico baixo, encontramos uma barreira seríssima. Damos orientação sobre vários sentidos para esse aluno. Ele assimila, e quando vai para casa e “quer pôr em prática, encontra a barreira da ignorância dos pais. Então para ele é difícil colocar em prática aquilo que aprendeu na escola, aí há o bloqueio.

Por exemplo, digamos que ele tenha aprendido que antes das refeições deve lavar as mãos, no desde higiene. Empolgadíssimo em casa, comenta que vai lavar as mãos antes de almoçar, a mãe se posiciona contra devido a sua ignorância, afirmando que isso é bobagem do professor e “que não há necessidade. Com isso ela já bloqueou a criança que fica em dúvida: quem estará certa? O retorno é fantástico, quando a gente consegue que os pais participem e incentivem. Hoje eu acho que o avanço já foi bem maior, pela televi- são os pais sentem as necessidades, etc. Realmente foi um trabalho difícil. Temos que reconhecer que a criança passa quatro horas na escola e_ considerando as horas de sono. É quase a metade do dia. É o mundo que ela enfrenta, assimilando e para o qual ela tem que estar preparada. Tem que ter a coesão de orientações em casa e na escola, para que um seja continuidade do outro. O objetivo é lindo, o difícil foi e é os pais entenderem isso.

IZZA – E como chefe do Serviço Estadual de Merenda Escolar?

MÁRCIA – Fui responsável pelo atendimento de distribuição de merenda escolar para todo o Paraná. Muita responsabilidade também, no tocante à escolha dos produtos, pois na época, as facilidades eram poucas. Tínhamos que optar pelos produtos desidratados. Não podíamos oferecê-los in natura porque, pelo transporte, não chegariam em boas condições. Hoje, o esquema já é bem diferente. A preocupação era que os produtos atendessem a todas as necessidades das crianças naquela faixa etária, tivessem o necessário valor nutritivo e proteico. Falávamos muito com nutricionistas, pessoas ligadas à área da nutrição, para que nos orientassem na seleção dos produtos. Isso aconteceu naquela época e a Nutrimental estava também iniciando, por isso auxiliou bastante, e depois, são gente nossa.

Também recorríamos à Nestlé pela qualidade e outras que se apresentavam. Fazíamos então a degustação para vermos se realmente supriam as necessidades. Atendíamos as escolas Estaduais do Paraná inteiro, e a nível de Município, havia a Campanha Nacional de Alimentação Escolar, antiga CNAE que era então um órgão federal, e nós éramos estadual. Atendíamos aí, como um todo, as escolas do município através de convênios com a prefeitura, e especificamente as escolas estaduais ligadas à Secretaria de Educação. Eu substituí na época, a Ceres de Ferrante na direção. Ela foi durante muito tempo responsável pela merenda escolar e, quando se aposentou, eu a substituí nesse trabalho. Gostei muito. Era também um trabalho administrativo que dependia de saber lidar principalmente com funcionários, e eu procurei não ser somente a chefe e sim ter uma equipe em que todas as pessoas atuassem com as mesmas responsabilidades.

IZZA – Qual foi o passo seguinte?

MÁRCIA – Dentro da Secretaria de Educação, eu fui responsável pelo Serviço de Saúde Escolar, também objetivando atender o escolar em suas necessidades de saúde, exames, orientações. Treinávamos professores para ficarem responsáveis por esse trabalho. Foi quando houve a fusão na Secretaria, da merenda e saúde e o antigo serviço social com bolsas de estudo. Então tiquei nessa divisão. “Criança mal alimentada não tem saúde e a criança que não tem saúde é porque está mal alimentada”. Procuramos fazer um trabalho unindo essas duas frentes, saúde e merenda, e eu fui responsável por isso também. Finalmente, na Secretaria de Educação, cheguei a coordenadora de Assistência ao Educando. Substitui o coordenador por um tempo e, essa coordenação atendia a quatro áreas, saúde, merenda, bolsas e integração comunitária que ainda continuava sendo aquele trabalho de envolvimento da comunidade com a escola, de participação dos pais, porém na ocasião, com outras idéias mais evoluídas, avançadas, porque já fazia mais de dez anos que havíamos começado.

IZZA – Quais foram exatamente essas mudanças mais avançadas?

MÁRCIA – A merenda escolar teve outra visão, devido a outras possibilidades. Assim, as escolas a nível de município adquiriram produtos regionais, já com outra estrutura. Foram produtos naturais sem necessidade dos industrializados ou desidratados. Estimulamos a criação das hortas escolares, caseiras, e dessas hortas a escola preparava a própria merenda. Hortas comunitárias, a própria comunidade plantava, vendia para os pais favorecidos e com os recursos compravam mais sementes e um pouco ficava para a renda familiar. Nesse aspecto, o município ficava quase que auto-sustentável, e o governo também contribuía com sua parte. As associações com novas filosofias, inclusive, conseguimos naquela época registrarmos na Secretaria de Educação cinco mil associações de pais e mestres do Paraná.

Registradas com diretorias, estatutos em cartório, fazendo da associação de pais e mestres pessoa jurídica de direito privado. Recebiam orientação nossa de como funcionar, de como realizar o trabalho, com muitos benefícios para a escola, para as crianças e para as comunidades. O serviço de saúde continuava com visitas das educadoras sanitárias às escolas, exames, acuidade visual, auditiva, encaminhando-as ao devido atendimento, porque todos esses problemas de saúde, afetam diretamente o aproveitamento escolar. Tivemos experiências incríveis de crianças que tinham até grão de feijão germinando dentro do ouvido, milho, pérolas de colar, etc. Esse serviço de saúde procurava, em vez de corrigir um problema, eliminá-lo antes que ele não tivesse solução. Problemas como o de bolsas de estudo, que era aquela concessão para crianças de nível sócio-econômico baixo; o problema de escolas particulares, faculdades, etc.

IZZA – E a Cruz Vermelha?

MÁRCIA – Saindo de minha última ocupação, assumi o Departamento de Projetos da Cruz Vermelha Brasileira, filial do Paraná. Foram projetos lindos. Inclusive, preparamos vários garotos para uma profissão. Formamos uma turma de engraxates, demos o primeiro instrumento de trabalho, a caixa de engraxate e os Irmãos Thá doaram os jalecos para eles trabalharem. Eles se encaminharam dentro de suas próprias comunidades, em vilas, fábricas, etc. O antigo IAM, que fundiu com a Provopar, e agora ficou Faspar, confeccionou as caixinhas. Quando trabalhamos com esse tipo de pessoas, o retomo é muito compensador, eles ficam felizes.

. Colaboramos pela Cruz Vermelha, pelo Centro de Integração Social Arlete Richa, o Cisar que se instalou na comunidade da Vila Santa Helena, bem distante, e até hoje, eles mantêm um curso auxiliado financeiramente pela Cruz Vermelha, de salgadeiras e doceiras, que façam em casa, vendam e consigam ajudar na renda familiar, sem precisar sair. Sempre tentamos atingir as pessoas de baixa renda já com sua vidinha organizada, ganhando pouco para o sustento. Dávamos condição para que também a própria esposa pudesse ter o seu rendimento e principalmente um trabalho que ela pudesse realizar dentro de casa, dando-lhe a oportunidade de estar junto com os filhos, porque grande número de acidentes, doenças e mortes ocorrem pelo fato de as crianças ficarem sozinhas enquanto as mães têm que estar fora trabalhando. Nós fizemos uma estatística num bairro e constatamos que 90% de acidentes aconteciam durante esse período de ausência.

A partir disso idealizamos a organização desses cursos. Muitas aderiram e não dávamos conta das inscrições. Fazíamos a divulgação e muitos eram feitos no próprio bairro, porque as mães não tinham meios de locomoção. Escolhíamos uma paróquia ou um clube para evitarmos despesas. Foi um trabalho empolgante. Organizamos um, de primeiros socorros, onde cada voluntário atendia uma unidade da Sazza Lattes, e cada dia havia um grupo de mães que recebia inclusive o alimento para ela e para as crianças.

IZZA – Vamos para a tua fase atual, como você chegou a ser assessora do ministro Borges da Silveira?

MÁRCIA – Primeiramente fui convidada para trabalhar em seu escritório político. Eu nunca tinha atuado na política, mas sendo o Borges uma pessoa muito conhecida como médico, uma pessoa extraordinária, me interessei, e como o grupo feminino que estava desenvolvendo esse trabalho, estava sem campo, porque ele não tinha escritório político em Curitiba, (sempre foi no interior, no Sudoeste) eu comecei a trabalhar com ele através da Cruz Vermelha, um grupo de voluntários. Quando ele era deputado, continuei na Cruz Vermelha e quando ele foi indicado para ministro, eu fui convidada para ir a Brasília no Ministério.

Depois ele montou a assessoria dele aqui no Paraná, e eu comecei a assessorá-lo. Somos os elementos de ligação Brasília-Paraná. É uma equipe, e como está funcionando dentro da Secretaria de Saúde, então fazemos assessoria também para o secretário Delcino Tavares, um político muito consciente. Adoro esse trabalho, é movimentadíssimo; atendemos os prefeitos, às necessidades do ministro, que está realizando um trabalho maravilhoso, atendendo a várias frentes, e problemas que estavam relegados, situações que haviam ficado de lado, os problemas maiores e básicos do povo. Ele está fazendo realmente um trabalho digno de ser elogiado e conseguindo grandes realizações, sendo reconheci- do por políticos, jornalistas de todos os Estados do Brasil.

IZZA – Com todas essas atividades como você se sente?

MÁRCIA – Eu sempre procurei fazer aquilo de que gosto, e isso é o fator mais importante para fazermos bem. De todos esses trabalhos que realizei, não houve nenhum que eu possa dizer que foi o que mais gostei, porque em todos colo quer minha energia, meu entusiasmo, toda minha garra porque faço tudo conscientemente, procurando em todas as situações, por mais adversas que sejam, o lado positivo. Coloquei muito amor e consequentemente, tive um retorno positivo e gratificante. Com os pedacinhos difíceis que tive que passar me sinto muito realizada.

Sou também presidente da Casa do Professor do Paraná, uma entidade representativa de classe. Fui quatro anos e depois reeleita para mais uma gestão. E com tudo isso não deixo de curtir minha vida familiar, sou dona de casa por vocação. Gosto de cozinhar, estar com meu marido, meus filhos que são meus tesouros. Cláudio com 13 anos e Guilherme, com 12. Não deixo de maneira nenhuma que o trabalho fora prejudique ou crie problemas dentro de casa. Se isso acontece, diminuo um pouco o ritmo.

 

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