Curitiba, 15/16 de outubro de 1988
ALVA GUSSO – adora fazer moda. Já participou da Fenit, e apresentou sua confecção na Itália, com sucesso. Agora ela estará na Alva’ s”, atendendo às elegantes. Ela é esposa do industrial Benvenuto Gusso.
IZZA – Quando começou essa sua paixão pela moda?
ALVA – Faz dois anos e seis meses. Foi no final de 86. Nessa época, comecei com a “Alva’s”, nome que escolhi e que me soa bem. Não é bem peto meu nome, pois também não me chamo Alva e sim Alvazir, um nome de descendência árabe. Eu sempre achei que, se fizesse alguma coisa um dia, seria importante ter no logotipo algo que marcasse liberdade, gaivotas, branco, suave, uma coisa boa, leve. Sempre gostei de moda. Nasci junto com detalhes e minha mãe, meu avô, também sempre costuraram, por isso aprendi a conviver. Aliás eu sempre estudei e participei de tudo que se relacionasse com a moda, Fenit, feiras, etc. Meus filhos cresceram e chegou a hora. Antes acompanhei meu marido, e em função do trabalho dele, morei em diversos lugares, inclusive em Cascavel e em muitas outras cidades onde não existia quase nada na época, nem Banco do Brasil nem Casas Pernambucanas.
Desde o coquetel, ou organizava tudo. Sempre frequentei muitos lugares e gostei dessa movimentação. Com um pouquinho de criatividade, a gente dá jeito em tudo. Foi aí que tudo começou. Esperei primeiramente meu marido se realizar profissionalmente, os meninos cresceram e depois pensei em mim. Acho que foi importante porque amadureci, estudei, participei de vários eventos. Fiz amizade com vários profissionais em Fortaleza, São Pauto. Fui também compradora de uma boutique. Antes de ter a minha fábrica, adquiri um conhecimento bem grande na área sob todos os aspectos. Tinha em casa minha escola básica, pois acho que quem não sabe fazer, não sabe mandar. Se ocorrer alguma dúvida ou algum problema com alguma funcionária, resolvo simplesmente, até em questão de corte e costura. O mais importante é que ninguém imagina que eu saiba fazer essas coisas.
IZZA – Como você consegue estar sempre atualizada?
ALVA – Tenho que estar sempre por dentro e para isso vejo muitas revistas de moda, aliado a um pouco de bom senso, porque acho que muitas pessoas gostam de usar tudo o que aparece, sem adequar a moda a seu tipo. Ney Galvão uma vez disse, na época em que eu estava em São Pauto: “O grande mal da brasileira é querer usar tudo o que dita a moda”, porque às vezes o tipo físico nem condiz. Por exemplo, moda é tudo o que fica bem conforme o bom senso. Se analisarmos, de repente nunca ninguém usou renda sobre seda. Porque não, se os dois tecidos são nobres?
IZZA – O que é importante na idealização de uma roupa?
ALVA – A combinação dos tecidos. Outro ponto importante é o acabamento, o toque da roupa e também o conforto. Sentir-se bem, dentro da roupa é fundamental. Eu tento coordenar muitos pontos. De repente, aquele modelo da novela das oito é procurado e a moda é floral, e as pessoas vão usar tanto até a saturação. Eu procuro sempre ter alguma coisa que lembre, mas não com exagero. De repente jogar algum acessório é bem mais agradável, uma flor na lapela ou algo parecido: é preferível do que uma estampa gritante, quente, uma loucura. O exagero é muito marcante. Eu uso muito material nobre, linho, renda popeline de boa qualidade e também o prático.
IZZA – Quem idealiza os modelos?
ALVA – É a parte que mais me apaixona. Sei que é desgastante, mas a parte administrativa fica com o meu marido para que eu possa ter tempo e cabeça boa para me dedicar. Adoro desenhar e criar e para isso preciso de tranquilidade. Faço questão absoluta de escolher pessoalmente toda a matéria-prima por mais que eu me entenda bem com meus funcionários, cada cabeça é diferente. Sou extremamente detalhista e faço a peça piloto do meu tamanho para que eu possa provar e sentir a roupa. Atualmente a vida está muito corrida e a roupa tem que ser gostosa e prática. Em todos os detalhes, eu vejo e faço poucas peças. Defino todo o restante.
IZZA – E como você se relaciona com a parte humana das pessoas?
ALVA – Tenho um pouco de dificuldade com essa parte. Ou me envolvo demais ou agrido porque não suporto determinadas coisas como ignorância em excesso. As vezes não conseguimos abrir a cabeça das pessoas e existe um ponto básico, pois me desgasto e não consigo produzir num setor que me realizaria. Agora estou muito atarefada, mas passando a inauguração pretendo ficar somente com a compra da matéria-prima, elaboração total da roupa, desde a criação até a concretização da peça piloto. As cores e o restante ficarão com o resto do pessoal. No momento, tenho quatro pessoas: uma que corta; outra para a modelagem; administrativo e outra para controle de estoque. São meus braço-direito e também o Gusso meu marido vai me auxiliar na contabilidade. Isso tudo toma muito tempo e até chegar ao visual final da roupa, é difícil. Não é na primeira tentativa. Não faço cópias e não pretendo fazer. Proponho-me a fazer algo novo.
IZZA – Você se baseia em quê?
ALVA – Adoro os estilistas italianos de um modo geral. Os franceses também, mas acho que não adianta tentarmos adaptar a moda francesa ao Brasil, pois somos muito mais latinos, tendemos mais à Itália. Pode ser bonito, mas temos que ver o que realmente a brasileira vestiria melhor. Os italianos são mais alegres, combinam mais conosco. Para mim não existe réplica. O básico é o mesmo, mas os detalhes são fáceis de mudar. O Brasil apresenta uma realidade diferente: a priori já parte da cabeça, cultura diferente, economia, tudo é diferente, então temos que adaptar. Coisas que são valorizadas aqui, não são valorizadas lá e vice-versa
IZZA – E a curitibana no tocante à moda?
ALVA – Acho que ela, na rua é muito prática e deixa um pouco a vaidade de lado. Penso que uma mulher pode ser prática, estar num jeans, uma camisa e estar chic, mas a mulher que vemos é mas, batalhadora, não se preocupa com detalhes. O fator monetário não é importante e sim a criatividade e a vaidade que, no meu ponto de vista, estão faltando. Claro, não estou generalizando porque conheço mulheres superbem cuidadas, elegantes. A curitibana é muito clássica e eu gosto. O bom senso me diz porque (a cada vez temos menos dinheiro para nos preocuparmos com roupas) que não custa nada, mesmo com roupas de anos anteriores, incrementar, acrescentar algum acessório que dê graça. Moda não tem segredo, é bom senso e pronto. Quando crio algum modelo tento fazê-lo numa cor eterna, o clássico é para sempre. O caqui, o branco, o vermelho, o preto e o cinza, são cores encontradas em todas as estações.
Na hora de fazer o estoque isso é muito importante. Se existir alguma sobra de tecido, não haverá problema, outros modelos poderão ser adaptados. Claro, para cada estação a gente elege duas ou três cores novas, ou que já foram e que estão de volta ao mercado. Neste inverno por exemplo, foi muito usado o chocolate com preto e agora no verão continua o cinza com mostarda, o mostarda com preto que já foi moda há muitos anos atrás. Agora entram de novo as cores bebês, rosa, azul, cor de camé, amarelinho, o bege continua, o ocre vai entrar também, cores basicamente nos tons pastéis. Na Europa para, a próxima estação, predominam o preto, com vermelho, com verde esmeralda, o bispo, o amarelo no preto. Cores sempre vibrantes, tendo o preto como básico. Me parece que, conforme as revistas importadas que recebi, que as cores básicas vão estar com tudo. O cinza, o branco muito chic, principalmente quando vem dosado e muito debrum.
IZZA – Você particularmente prefere idealizar a moda inverno ou verão?
ALVA – Prefiro o verão para viver, mas o inverno é mais chic. Eu não gosto de frio, nasci em Santa Catarina, Criciúma.
IZZA – Qual é a proposta da “Alva’s”?
ALVA – Nós a princípio começamos como fábrica para vender para boutique. Agora pretendemos continuar fabricando, porém, para nossas próprias lojas. Em Curitiba, eu não daria concessão para mais ninguém vender “Alva’s”. Pretendo inaugurar em Brasília no início do ano e continuamos com nossos clientes do Rio Grande do Sul, do interior do Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Brasília até o momento que inaugurarmos a nova loja. Sei que vai ser bom, vou ter uma noção mais exata. Nossa proposta não é fazermos roupas em série, procuramos sempre mudar alguma coisa. Para as pessoas que frequentam a sociedade curitibana não pode haver nada em série, porque aqui se encontram muito. Esse cuidado é muito importante.
IZZA – E por que você escolheu Brasília para abrir a filial?
ALVA – Porque morei lá, tenho muitos conhecimentos. Moramos em Brasília e temos casa lá, e o trabalho do meu marido tem muito a ver com Brasília. Temos fazenda e muitos amigos. Apesar de ter com ela agora um contato muito esporádico. Adoro as pessoas de lá, o clima é ótimo. Quando vou para lá curto, revejo as pessoas e adorei morar lá. Acho que dará certo tudo. A única dificuldade que tenho é selecionar pessoas que realmente deixem os compradores à vontade, que atendam bem, mas, não há problema. Tendo uma boa equipe, está perfeito.
IZZA – Qual seria a realidade da loja?
ALVA – É exatamente facilitar um pouco na hora da produção porque é muito mais fácil eu vender para mim mesmo do que espero cliente procurar. Hoje em dia, como o capital de giro está escasso ele não vem mais para fazer pedido, e sim deixa para comprar marmelada na hora da morte. Na realidade chegam para comprar na hora em que começa a esquentar e, nesta altura, a pronta entrega está repleta para atendê-los. Eu não vejo nenhuma vantagem em desembolsar todo o capital de giro porque nesse ponto já comprei toda a matéria-prima. Já paguei todos os funcionários para produzir, encargos sociais e tudo o mais. Invisto numa roupa que está pronta na prateleira esperando e porque eu deveria esperar o cliente se posso levar para a minha loja e ganhar eu? Então não vou deixar de atender meu cliente e os de fora que tenho, mas aqui e em Brasília faço questão de atender porque hoje em dia, mercadoria para quinze dias já é prejuízo. De um modo geral as pessoas acham que o confeccionista ganha muito, mas é ilusão porque as taxas e os encargos são muito elevados.
Na atual economia brasileira nem que fosse em dólar conseguiríamos cumprir contratos, mesmo assim teríamos prejuízos. Fiquei feliz quando estive na Itália, em Milão e adoraram a minha roupa. Senti que se interessaram. Na ocasião estavam abrindo espaço para a Tunísia, Grécia, etc. No meu stand estavam outros confeccionistas, éramos dez e me surpreendi com a preferência. Na Itália se respeita muito o profissional e o preço do Brasil é excelente e além disso o nosso algodão é superior ao deles. Isso me deixou super gratificada, sabia que minha roupa não era a melhor de todas, mas foi escolhida. Eles amam a nossa criatividade e o que admiro, é que eles estão abrindo as portas para outros países, de preferência os exóticos. Tunísia, África, Grécia, Brasil que acham criativo ainda mais pelo jogo de cintura. O brasileiro é tão criativo que se ele consegue viver num país que tem uma inflação como esta, sobreviver e ainda viajar para fora do país.
IZZA – Alva você já fez Fenit?
ALVA – Sim, era um de meus grandes sonhos. Tenho o prazer de dizer porque achei fantástico. Interditei o corredor da Fenit por dois dias, com vitrine viva que já não era novidade. Vi por momentos, dois diretores da Vogue impressionados com os modelos. Tenho muita sorte com equipe porque as pessoas que trabalham comigo se dedicam como se o investimento fosse delas. Acho que eu consigo passar isso, e não existe na minha empresa, a dona da empresa, aquela que fecha a porta e tem que bater para ser atendida. Existe um trabalho conjunto no qual me integro em qualquer coisa que a pessoa esteja fazendo. Se eu precisar de algum deles fora de hora, ficaria profundamente chateada se não fosse atendida. O entrosamento é grande. E a equipe permanece sempre unida, á uma família e isso eu faço questão de manter.
IZZA – Por que você resolveu entrar nesse pique de trabalho?
ALVA – Estou trabalhando, não porque sou uma dondoquinha arrumadinha, ou porque meu marido resolveu comprar umas máquinas para mim, e sim porque sou uma profissional, porque meus filhos estão crescidos, podem se virar sozinhos e é o momento de realizar meu lado. A elitizada Alva não existe, mas sim uma mulher que trabalha em diversos setores da empresa e, quando o Gusso precisa de mim em outra empresa, respondo da mesma forma. Me lembro de que, em 86, lancei a grife, depois dei um tempo, mudei a fábrica, no mesmo ano fiz um desfile em Criciúma. Em 87 fiz a Fenit e Faschion Sul, e tenho todo o apoio de meu marido que sempre participa. Fui também a Campos do Jordão onde abri uma loja de temporada este ano, maio, junho e julho. A pronta entrega em São Paulo que fechei este ano em função daqui.
IZZA – E a família como é que fica, dá tempo para atender a todos?
ALVA – Claro que sim. Tenho por norma sempre almoçar em casa, tenha compromisso ou não. Acho que não posso deixar de ser mãe só porque sou uma profissional e à noite normalmente eu saio com meus filhos e com meu marido. E importantíssimo dar essa atenção aos filhos porque a vida profissional já é muito ativa. Filhos nunca deixam de ser filhos. Se analisarmos, mesmo depois de adultos, às vezes temos vontade de recorrer aos pais. Disso não abro mão. E difícil conciliar tudo mas, eles são super compreensivos, já têm 13 e 15 anos e depois acho que, nesse horário de almoço, ainda não estamos cansados e temos condições de falarmos mais tranquilamente.
IZZA – Nessa época de crise, você acha adequado abrir uma loja?
ALVA – Não. Se eu não confeccionasse. Se eu fosse uma compradora de outras confecções não aconselharia ninguém a abrir, porque é o pior momento para ser empresária em qualquer área. Se eu não tivesse a “Alva’s”, nunca, jamais eu pensaria em iniciar, mesmo gostando muito do que faço.Infelizmente neste país não há incentivo. Mais coerente seria eu vender tudo, aplicar o dinheiro e viajar. Os encargos e salários sobem tanto que não é vantagem. A engrenagem está errada. Não é a reivindicação do funcionário que está errada, não é o empresário que não pode pagar que também está errado. O tecido já é comprado em OTN e o aumento não é mensal e sim quinzenal. Se eu faço seis peças, acabou o tecido, e eu posso programar o preço da peça. A grande vantagem da loja é esta; repassar ao consumidor final custos que eu não conseguiria passar na confecção. Se computarmos os custos, luz, água, taxas, etc. dará para ver que o dono da boutique também não ganha muito. É tudo uma ilusão. E depois, o que poderemos esperar a nível de Brasil? Estamos inseguros em tantas áreas. Espero ter muito sucesso, mas também sei que pela situação ele só virá a longo prazo, porque a nível de Brasil é assim. Sou muito otimista e isso me impulsiona. Com a abertura da loja pretendo dar mais conforto aos clientes.
IZZA – O que você gostaria de acrescentar para finalizarmos?
ALVA – Eu gostaria que pessoas como eu, que começaram um projeto, gostando do que iniciaram, continuassem insistindo em seu ideal. Porque um dia, quem trabalha neste País, vai ter um grande valor, porque com certeza, as coisas vão mudar, e a segunda é que as pessoas nos visitem na Bruno Filgueira.