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“BALLET, A DISCIPLINA INTERIOR” expressa Dora de Paula Soares

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Curitiba, 25 de fevereiro de 1989

DORA DE PAULA SOARES. O Ballet faz parte de sua vida, de seu trabalho. Executiva de grande sucesso, nos conta como começou e como dirige o Studio D. Sempre atualizada, Dora recentemente vai para o exterior aprimorando cada vez mais suas técnicas de ensino. Dora reconhece entender profundamente do assunto, transmitindo em cada frase sua segurança e seu amor pelo Ballet. Confiram.

 

IZZA – Há quanto tempo existe o Studio D?

DORA – Há dez anos. Foi inaugurado em setembro de 1978. No início todas as filhas trabalhavam comigo, depois foram se casando, entrando na faculdade. A Virgínia foi meu braço direito durante muitos anos, mas ela é médica e atualmente se dedica inteiramente â medicina. Numa certa época, minhas cinco filhas dançavam profissionalmente. A Bebe em 1983, chegou a ter 600 alunas de jazz, mas surgiu uma oportunidade para dançar na Alemanha e ela se mudou para a Europa onde ficou dois anos. Quando regressou, casou e foi morar em São Paulo. A Susana também é casada e mora lá. A Dorinha é a diretora do Studio Batei e vai indo muito bem. A Maria Eugenia, que passou no concurso do Ballet do Brasil que seria a melhor Companhia de Ballet do Brasil. Infelizmente, na crise que o País atravessa, evidentemente o governo federal não dispõe de verba para financiar a arte. Num País como o nosso, a arte não é prioridade.

IZZA – E você, dançava profissionalmente?

DORA – Quando comecei, logo casei. Vim para Curitiba. Claro que senti muita falta desta parte, porque o que se fazia aqui, era completamente diferente do que se fazia no Rio de Janeiro, quanto às escolas. Tive então meus filhos, um atrás do outro, procurando fazer nos intervalos o que eu pudesse de dança moderna, ginástica o que existisse aqui. Tive muita sorte porque quando o Corpo de Baile foi organizado no Teatro Guara, não havia muita gente interessada para formar esse grupo e apesar de eu estar meto parada, não fui aceita da primeira vez, mas sim na segunda, e eu dancei até os trinta e nove anos. Isso me deu uma vivência muito grande por isso decidi dar aulas de Ballet.

IZZA – Uma bailarina é necessariamente uma professora?

DORA – Existem casos que sim, se ela, durante o período em que dançou, se interessou em dar aulas, principalmente em graduação de níveis. Geralmente a pessoa diz: Não gosto de dar aula para principiante, acho que não é que ela não goste, mas normalmente não sabe, porque é muito difícil dar aulas para crianças. O que é dado geralmente ê o que eu chamo de aula de anão, onde se dá para a criança o que se dá para o adulto, isso é um erro absurdo. É uma arte saber dosar, saber de que maneira você vai dar, ensinar aquele passo, qual é a graduação. Claro que temos um programa que facilita a vida das estagiárias porque eu sei e passo para elas e tenho assistentes que sabem. Na verdade, quando pego uma das meninas mais adiantadas para começar a dar aula, ela recebe tudo muito bem explicado.

IZZA — Quando você parou de dançar já tinha a ideia de dar aulas?

DORA – Quando decidi que não ia mais dançar, havia gente nova, o corpo de baile estava crescendo e estava na hora de parar. Eu fui para a Europa. Fiquei três meses em Cannes numa temporada e três meses na Inglaterra em outra temporada, fazendo estágios e aprendendo a dar aulas, mas o que mudou a minha concepção foi no ano seguinte, quando, graças a uma carta de recomendação de D. Tatiana Leskowa eu pude estagiar na School of American Ballet, a escola que prepara as bailarinas do New York Theatre. Isso montou a minha cabeça sobre graduação e quanto a como se dar aulas.

Existem programas da escola francesa e da escola russa que são muito úteis, mas os cursos nunca poderiam ser dados como eles dão aqui, porque sé trabalham com o corpo perfeito, ideal para Ballet e eles têm uma carga horária de seis horas diárias ente aulas práticas, teóricas e curso normal. É muito difícil adaptar a nossa vivência, ao corpo, ao físico brasileiro, mas principalmente nos cursos mais adiantados podemos ter uma idéia do que seja. O que realmente me ajudou bastante foi a minha inscrição na Royal Academy of Dandng que é uma organização voltada para o ensino de Ballet Clássico, mundial com sede na Inglaterra.

A presidente é a Margot Fontaine com algumas das professoras da época do Royal Ballet, Margot Fontaine viajava muito para dançar como convidada e observava que a não ser nos grandes centros, o ensino de Ballet era um desastre então elas idealizaram um programa básica Agora eles tem professoras, um programa, cursos. E claro, a inscrição é calculada em libras, mas vale muito a pena. Atualmente a espinha dorsal de meu curso infantil é a Royal Academy of Dancing. Claro que não se pode dar o método a vida inteira, porque não se forma uma bailarina, mas a estrutura, o esqueleto é maravilhoso.

IZZA – Hoje em dia, as academias surgem diariamente. Não é uma incrível responsabilidade abrir uma sem a base necessária?

DORA – Eu diria que a maioria não tem a menor base. Eu gostaria de abrir um parêntesis porque o assunto é muito importante. As professoras das escolas, jardins de infância etc., ligam para mim: Dona Dora, a Sra. não tem qualquer aluna sua, que queira dar aula aqui? Não precisa saber muito, é sé para dar uma noção para as crianças. Por aí, você imagina o que seria o nível de ensino nestas escolas. Eu nunca recebi uma aluna, “nunca” em dez anos, me apareceu uma pessoa apta que tenha feito aula em qualquer escola de Curitiba, e eu desafio qualquer professora de dança de colégio, a me trazer uma aluna que tenha um mínimo de aproveitamento, não precisa ser um aproveitamento razoável, que seja um mínimo, que ela saiba o que é postura etc., qualquer coisa de Ballet Digo, qualquer aproveitamento, seja musical, teórico, de aproveitamento muscular, quer dizer, uma menina que fez quatro anos no colégio X, que pudesse entrar na minha academia no Grau 2, que é o segundo anel

Elas não aprendem nada porque ninguém sabe nada. No livro de Lincoln Custon que se chama First School, eles contam como foi organizada a Scholl American Ballet Ele começa o livro, dizendo que nos Estados Unidos em 1930 quem não sabia fazer nada podia abrir uma escola de Ballet Isto infelizmente, ê uma realidade no Brasil Elas têm três meses de jazz e começam a dar aulas no jardim. Eu poderia dar vinte exemplos sem consultar nenhuma anotação. E essas aulas de jazz para crianças consistem em colocar o disco da Xuxa e deixar as crianças dançarem. Não existe nivelamento. Crianças do 4ª ou do 2ª grau ou do pré- Ballet fazem aulas juntas, não interessa se elas fazem aula particular em algum lugar ou se têm nível para outro grau. Não, a turma dela faz Ballet naquele horário e todas fazem aula juntas, geralmente trinta minutos que é igual a zero, porque uma aula de trinta minutos não vale rigorosamente nada.

Existem certas coisas que, ou se faz bem feito ou não se faz nada, você não pode comprar somente uma parte, três quartos de uma passagem para a Europa, que você cai no mar não interessa se foi comprada em dólar. Agora, os pais que têm a maior preocupação, o maior cuidado em cuidar da saúde de seus filhos, saber sobre seus estudos etc., às vezes não têm a menor preocupação em saber quem está dando dança para eles; quem é que está formando o esqueleto de seu filho, a postura, o que estão fazendo com os pés de sua filha e com o gosto musical e a disciplina. Deixam porque é cômodo por ser no mesmo local. Às vezes eu ligo perguntando se a menina não vem mais, e a mãe responde que não, porque a criança está fazendo Ballet na escola. Quero dizer que uma aluna que foi minha, que conheceu o Ballet da melhor qualidade que se possa dar no Brasil (e eu tenho estrangeiros que podem dizer que têm poucas escolas na Europa igual a nossa). As pessoas tiram os filhos e se satisfazem com qualquer aberração, remando ou imitação de aula, dada nas escolas.

IZZA – Nestes casos a criança aceita a mudança?

DORA – Às vezes ela odeia, toma aversão e algumas chegam aqui dizendo que não querem Ballet Clássico porque faziam na Escola. Eu sou extremamente familiarizada com este tipo de ensino dado nas escolas e nos estúdios de danças. Existem em Curitiba bons estúdios de dança e não é sobre eles que estamos falando, e sim das escolas, colégios, jardins e pré-escolas que apresentam em seu curriculum, bailei judô, natação etc. Quanto ao judô ou natação, não é a minha área e não tenho o menor conhecimento, quando ao bailei eu posso dizer. Não é nem sofrível o nível, é abaixo de qualquer crítica, isso eu posso garantir.

A criança vai perder o gosto que provavelmente teria, vão se aleijar ou não vão fazer nada. Ainda ê o ideal que brinquem o tempo inteiro, ponham o disco da Xuxa e pulem. Pior são aquelas que se metem a ensinar. Eu tenho alunas de seis anos que já tem os pés tortos, e quanto à postura, é um capítulo à parte porque a criança tem uma postura de barriga solta, a coluna faz uma curva e elas apoiam o corpo de forma errada. No Ballet a primeira coisa que cuidamos é da postura porque sabemos que o Ballet clássico não tem uma posição natural. Deus não nos fez para abrir 1ª, 2ª e 5ª posição, então às vezes pegamos uma criança pequena que tem uma abertura natural de quadris e que para ela não é problema, mas outras são mais fechadas.

IZZA – O Ballet é um esporte?

DORA – A Royal Academy acredita, e eu também que o Ballet é bom para qualquer pessoa até uma certa idade. Ele dá uma disciplina interior, trabalha o corpo de uma forma como nenhum outro esporte e pode ser considerado como um esporte que não deixa de ser, trabalha o corpo muscularmente, enfim é um esporte aliado â arte.

IZZA – Qual é o critério que você adota para as tuas professoras?

DORA – Normalmente quem eu criei, as minhas melhores auxiliares conhecem o nosso estilo e são preparadas â minha imagem e semelhança.

IZZA – E a concorrência?

DORA — Sabe Izza, que existe uma crença em Curitiba, claro que existindo concorrência é necessário se dizer alguma coisa do Studio D. Não podem dizer, que é muito caro, porque está na média, não podem dizer que o resultado não é bom, porque nós hoje temos um nome internacional, e não podem dizer que o ensino não é bom ou que não temos vaga porque temos três escolas, a da praça Garibaldi, a do Batei e agora a do Bom Retiro. As instalações são ideais. O que as pessoas podem dizer contra o Studio D, é que somos muito severas. Apenas exigimos bom ensino e queremos isso em favor da aluna.

Uniforme, horário, quem faz o nível somos nós, eu tenho só de principiantes, 5 níveis de acordo com a faixa etária. Seguimos as regras que eu estabeleci Se não deixo uma aluninha entrar atrasada, é porque ela depois do plie vai se machucar, a seqüência de aulas deve ser cumprida. Temos mensalidades a partir de 12 cruzados novos por mês. Temos também planos que facilitam uma quantidade de bolsas e meia bolsa. Ninguém deixará de frequentar o nosso Studio por problemas financeiros. Eu tenho que mostrar resultado, e a melhor demonstração da qualidade do nosso trabalho é a mãe mesmo verificar com seus próprios olhos o espetáculo de fim de ano. Temos também aulas públicas para as mães onde a professora explica tudo o que está sendo feito com as alunas.

Na apresentação de fim de ano elas aprendem a dança, em conjunto, a contar, uma coreografia às vezes difícil porque nós exigimos o máximo. A criança é capaz de muito, desde que seja motivada, incentivada e isso eu aprendi na minha escola. Elas aprendem tudo, gostam, esperam ansiosamente os ensaios. A gente usando o vocabulário do Royal, do Ballet clássico dentro do seu nível não temos dificuldade de ensinar para as crianças.

IZZA – Você não acha que a dança é pouco divulgada?

DORA – A dança teve uma época de modismo entre 1980 e 1985. Nesta época proliferam as academias de dança como pipoca, todo mundo queria uma boquinha. Hoje está acontecendo isto com a ginástica, é o cultivo do corpo que faz parte de nossa década e que vai continuar até o final do século se Deus quiser. A ginástica está bem dançada, pois eu assisti aulas de ginástica nos Estados Unidos que eram verdadeiras aulas de jazz, principalmente, uma preparação muscular dentro de pequenas coreografias. Não é mais aquela ginástica que eu fazia, que a minha filha formada em Educação Física fazia. Então você vê que a dança modificou, mas ainda há um grande interesse existe uma grande possibilidade de ascensão social dentro das artes.

O Brasil é um Pais privilegiado sobre este aspecto, pois a ascensão social está aberta a todos. É um país novo. O governo nos deixando trabalhar a gente progride. A criança tem possibilidade, dentro de uma escola de dança, de poder e obter sucesso, e de se tomar conhecida. Até é mais fácil do que através de uma universidade. É realmente uma pena que a situação de nosso País atravessando uma crise histórica tenha podado o curso natural do que estava se vislumbrando. Bujones diz que o Brasil foi eliminado das quartas de finais em dança. Já estávamos lá, entrando para o cenário mundial, nós já vamos para o primeiro escalão.

É claro que desde o bolso do pai que não pode mais pagar as aulas de dança, e recorre a um ensino barato, eliminando as chances de profissionalização até os grupos que perderam seu patrocínio, culminando com esta verdadeira tragédia que foi a não conclusão do Ballet do Brasil, da Fundação que antes mesma de inaugurar já haviam programado uma tournée pela América do Sul e outra pelos Estados Unidos contratada por empresários. Dependia em parte de votação governamental e em parte de votação particular, e no momento essas negociações estão suspensas, isso foi realmente lamentável. Do que adianta você trabalhar dez anos numa academia, ser uma profissional em todos os sentidos, e não ter a sua carteira assinada? Então você não existe, se não existe mercado de trabalho e convenhamos que o mercado para bailarinos hoje está muito difícil principalmente para o Ballet clássico.

IZZA – E quanto a divulgação da dança aqui em Curitiba, você acha satisfatória?

DORA – Eu lhe dou um exemplo que fala por si mesmo. Por três ou quatro ocasiões, nós fomos convidados a dançar no Rio de Janeiro pelo Projeto Aquarius. Foram 5 espetáculos, em São Paulo também, ou pelo Enda ou arriscando bilheteria. Eu era procurada pelos diretores, jornalistas, pela televisão para que desse notícias, divulgação. E na época não éramos conhecidos. Aqui em Curitiba eu tenho muita dificuldade de conseguir.

Aqui temos que ter amizade com os jornalistas, mas não é uma coisa natural. Eu trago a Ana Botafogo, Fernando Bujones que são artistas internacionais conhecidos mundialmente, caríssimos, de renome, e eu tenho que pedir “por favor” para que publiquem uma matéria. Isso é coisa de Curitiba, não posso dizer que no Rio e São Paulo aconteça o mesmo. Em São Paulo, qualquer academia que faça qualquer espetáculo tem seu espaço garantido na Folha de São Paulo.

IZZA – Para finalizarmos, nos conte sobre a tua última viagem.

DORA – A última não era temporada de Ballet e sim de Ópera. Estive em muitas aproveitei para assistir aulas de Madame Darvashe que atualmente é a minha guru, tem um trabalho maravilhoso de técnicas de piruetas, de salto etc. A vida inteira ela se preparou para ser professora e uma das melhores de Nova Iorque. Ela é romena e nunca foi bailarina. Me deu uma atenção especial e conversávamos todos os dias.

Existem muitos cursos, companhias de turismo que levam para fazer cursos em Nova Iorque, Europa e até Rússia. O aproveitamento destes cursos é muito discutível principalmente o da Rússia. É necessário que, quando as aulas vão, saibam onde vão fazer aulas. Podem estar fazendo aula em cima de seus próprios defeitos, fraquezas e técnicas. As vésperas da inauguração de nossa terceira academia acho que vamos poder oferecer muito para nossas alunas. As instalações são ideais e o nosso corpo de professoras é excelente. É uma fase nova, bastante promissora e estamos muito animadas. Começaremos as aulas no dia 6 de março.

 

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