Curitiba, 8 de novembro de 1987
Advogada e jornalista, trabalha com arte há treze anos. Durante oito anos fez parte de uma equipe organizadora de exposições no BADEP, e há cinco anos dirige com sucesso a Da Graça Galeria de Arte, no Batel. Desde de a abertura de sua galeria, vem apresentando exposições de artistas de gabarito, em excelentes individuais. Coube a ela trazer importantes nomes do cenário artístico nacional, como Dárcio Lima, Nely Valente, Euro Brandão. Ligeiramente, ela fala sobre os leilões, as galerias e o mercado de arte, e um pouco sobre seu próprio trabalho.
IZZA – Graça, por que artes plásticas?
GRAÇA – Comecei a trabalhar com Artes Plásticas em 1974, gerenciando uma Galeria de Arte de um italiano radicado em São Paulo. Em 1976, este senhor resolveu encerrar as suas atividades aqui, e foi quando iniciei meu trabalho junto ao coordenador geral do Salão do BADEP, o amigo e artista plástico Domício Pedroso. A oportunidade que ele me deu no BADEP foi de inestimável valia, pois muito aprendi, em termos de técnicas artísticas. Havia um ambiente de amizade e confiança, e no período de 76 a 84, em que lá trabalhei, angariei valiosos amigos entre os pintores, inclusive o grande mestre Theodoro de Bona.
Indiscutivelmente, o Salão de Exposições do BADEP foi o melhor espaço cultural que o Paraná já teve, por suas propostas voltadas para a cultura em geral. A minha decisão de continuar na mesma atividade deve-se a diversos fatores: interesse pessoal, sensibilidade e busca de conhecimentos. Acredito que, enquanto o ser humano estiver propenso verdadeiramente a conhecer o mundo que o cerca e o que de bom e belo nele existe, haverá vida e esperança; e o mundo da arte é o mundo do mistério, é como se fosse o eterno enigma: decifra-me ou te devoro, e é isso que mais me motiva.
IZZA – No momento, como você analisa o panorama artístico do Paraná?
GRAÇA – Percebe-se que o panorama artístico do Paraná mudou de uns tempos para cá. Surgiram novos valores com real talento e preocupações artísticas sérias. Quando me refiro a preocupações artísticas sérias, quero dizer, aquelas pessoas que têm ânsia de aprender, de aprofundar-se, de pesquisar, que têm a paciência mais do que necessária, vital, para ouvir e seguir o que os bons mestres ensinam. Vivemos numa época, infelizmente, em que qualquer um se considera artista. Pessoas que não são dotadas do menor talento e do mais íntimo senso de auto-crítica, atiram-se à cata de prêmios aqui e acolá, e muitas vezes, por circunstâncias obscuras e, por incrível que pareça, recebem realmente tais prêmios.
É como se alguém, por ter simplesmente ouvido meia dúzia de concertos de um exímio violonista resolvesse tocar violino e dar concertos. Isto simplesmente me deixa perplexa. O que também tem acontecido, lamentavelmente, é a falta de contato de artistas novos, principalmente gravadores, com as galerias de arte, o que faz com que trabalhemos mais com os artistas já consagrados. Posso lhe dar um exemplo: recentemente, um cliente adquiriu para o banco estrangeiro em que trabalha, uma série de gravuras de excelentes artistas brasileiros. O arquiteto que o assessorava sugeriu obras de artistas daqui, mas onde estão os gravadores? A não ser um ou outro, nunca vi nada deles e sempre trabalhei com gravuras brasileiras da melhor qualidade, de outros Estados.
IZZA – Fala-se muito em crise, as galerias também enfrentam as conseqüências referentes a ela?
GRAÇA – Na verdade, o Brasil sempre conviveu com as crises econômicas. Levando-se em conta que de qualquer forma, as pessoas precisam investir o seu dinheiro em algo realmente rentável, sob pena de vê-lo corroído pela inflação, nada melhor do que investir em arte, pois as obras de arte não deixam de ser valores econômicos em si pela sua liquidez e valorização do mercado de arte. Em toda a parte do mundo há um número não muito grande de pessoas com um nível cultural mais desenvolvido e possibilidades econômicas mais flexíveis. Isso faz com que as obras de real valor tenham sempre aceitação e procura, embora por preços mais elevados, o que ocorre, por exemplo, com aquelas de artistas já falecidos. Certamente que as crises com suas consequentes oscilações financeiras que, de uma forma ou de outra, atingem a todos, contribuem para uma certa retração do investidor que procura então diversificar suas aplicações.
O que digo não significa necessariamente que todos os colecionadores formam as suas pinacotecas com única e exclusiva preocupação especulativa; mas quem adquire obras de bom nível considerando estes aspectos ou não, pode ter ciência de que, tanto o quadro pintado a óleo, como a gravura, o desenho ou o que quer que seja, só tende a valorizar, gradual mas firmemente. Se as obras forem de bom nível, é claro. E, no mais, também é uma questão de adaptação. Quando as condições de uma pessoa não permitem a aquisição de uma obra a óleo, mais cara, ela pode adquirir uma gravura do mesmo artista. Muitos grandes artistas conhecidos no mundo, brasileiros inclusive, fizeram e fazem gravura, cujo preço é mais acessível. Essa procura tem acontecido por parte de casais jovens, é o que temos observado. O senso estético, herança cultural muitas vezes se manifesta e a juventude, quando habituada pela família a conviver com a arte, quer aprimorar essa tendência, o que gera o permanente movimento o no mercado de arte.
IZZA – Como você analisa o fato de novas galerias estarem abrindo a todo momento?
GRAÇA – Acredito que todas as galerias que existem na cidade têm o seu público. Geralmente, esses interessados não compram apenas em uma galeria, mas em diversas, que apresentam cada qual o seu acervo. Há, portanto, uma diversidade bastante ampla, em muitos sentidos. O que acho importante e fundamental é que as pessoas saibam realmente o que estão vendendo e os interessados, o que estão comprando. Digo isso porque, há anos passados, vi uma pessoa arrematando num leilão uma obra em técnica mista, acreditando piamente que estava levando uma aquarela.
No catálogo constava, com efeito, que era uma peça em técnica mista, mas a pessoa em questão não tinha o suficiente conhecimento do assunto. Naturalmente, quando soube do equívoco cometido, nunca mais quis saber de leilões, o que é uma pena. Os bons leilões devem ser prestigiados, porém, por sua parte, os arrematantes têm que estar adequadamente esclarecidos, pois nem todos conhecem as diversas técnicas artísticas; o ideal seria que uma pessoa que vai a um leilão com interesse de arrematar, fosse acompanhada de outra, que conheces- se pelo menos o que está sendo leiloado. Isso evitaria muitas aquisições por valores muitas vezes altíssimos, completamente fora do mercado normal de arte. Portanto, acho que esclarecer e informar o público que visita as galerias deveria ser também a função dos que pretendem se envolver com essa atividade.
IZZA – O curitibano aprecia, em geral, que estilo artístico?
GRAÇA – O curitibano aprecia o que é bom, seja de que estilo for, embora haja uma predominância de interesse em especial pelo estilo figurativo, o que ocorre, aliás, com a maioria das pessoas em muitos outros lugares. Creio que o que é definido, claro, nos evoca com mais facilidade algo já visto, sentido, vivido, amado. E o homem revela que é através daquilo que ama e com o que se identifica. O estilo figurativo, seja representação da natureza, flores, árvores, mares e céus, ou de pessoas e animais, sempre é mais procurado.
IZZA – Como você qualifica o interesse pela arte no Paraná, em relação a outros grandes centros?
GRAÇA – O paranaense ama a sua terra, com toda a razão, e naturalmente, os artistas aqui, vivos ou falecidos, têm sido muito prestigiados. A divulgação, através da imprensa, do que o artista paranaense está fazendo, tem sido constante e eficiente. Isso com certeza, é muito vantajoso para todos; para o artista, que se sente valorizado, e para o público que aumenta sempre mais a sua bagagem cultural. O interesse por obras de artistas de fora também ocorre com freqüência, pois as peças de boa qualidade sempre têm mercado.
IZZA – Seu trabalho é restrito à galeria?
GRAÇA – Sim, pois a galeria me absorve muito, sou uma pessoa de natureza independente, e ter uma Galeria de Arte me possibilita uma grata realização.
IZZA – Ainda existem “mecenas”, ou são coisas do passado?
GRAÇA – O termo “mecenas”, empregado antigamente aos benfeitores dos sábios e artistas, atualmente pode ser considerado em total desuso, levando-se em conta seu sentido original. A situação econômica geral não propicia o seu ressurgimento, com figura outrora louvada em verso e prosa, por seu espírito generoso e senso de beleza apurado. Vivemos hoje em um mundo essencialmente comercial, em que cada um visa o seu próprio interesse. Por isso, o que era ato generoso, hoje é ato comercial. Vide os catálogos das exposições de arte. As empresas públicas ou privadas inserem nos convites e catálogos o que lhes interessa promover, mediante uma remuneração pecuniária ou mesmo pagamento de impressão, o que certamente não caracteriza o mecenato.
IZZA – Quais os seus conceitos de vida e suas prioridades?
GRAÇA – Acredito que duas coisas são realmente fundamentais na vida de toda pessoa. Em termos s objetivos, o pensamento, a capacidade de elaborar conceitos, organizar a vida mental, analisar objetivamente, e a faculdade, inclusive, de isolar-se dos outros. Em termos objetivos, a liberdade, pois envolve a manifestação do ser pensante no mundo. O ato livre deveria ser o ato pensado tomado realidade, daí a inter-relação entre o pensamento e a sua consequente busca de liberdade. Outras coisas importantes para mim são a saúde e a paz de espírito, porque, quando se vive com elas, tudo é muito melhor. Em termos profissionais, avançar sempre mais no conhecimento e na realização