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“AS RAÍZES NÃO DEVEM SER ESQUECIDAS” expressa Do Carmo Fortes

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Curitiba, 17 de junho de 1989

DO CARMO FORTES. Pintora há trinta anos, escritora, se revelou com a biografia de seu pai Tenório Cavalcanti no livro “O Homem da Capa Preta’’, que é sucesso, e inclusive foi premiado no Festival de Gramado. Do Carmo, mulher de forte personalidade, nos conta suas experiências, sua trajetória até hoje e como chegou a ser destaque. Esta é Do Carmo, Sra. Coronel Sérgio da Rocha Lima Fortes.

 

IZZA – Há quantos anos você vive em Curitiba?

DO CARMO – Estou aqui há 39 anos. Meu marido é coronel do Exército e quando ele se reformou, pretendíamos retornar ao Rio de Janeiro. Nos despedimos dos amigos, mas não nos desfizemos da cada. E agora, eu moro mais aqui do que já morei em todos os outros lugares. No Rio, vivi propriamente até os dezessete anos. Não criei raízes em lugar nenhum, somente em Curitiba. Aqui, consegui a base, a estrutura, inclusive para pintar e escrever.

Bem, como eu estava te contando, fomos para o Rio, mas com surpresa nos sentimos desambientados, não tínhamos afinidades a não ser com a própria família. Não nos entrosamos mais. Voltamos, ao nosso porto seguro. Até com o frio nos acostumamos. Já temos nove netos, meus filhos casaram aqui.

IZZA – Quanto começou a tua fase de pintora?

DO CARMO – Eu adoro pesquisar. Sou autodidata e pinto há muito tempo. Eu comecei a pintar na Bahia, e acho que o artista sempre se revela na Bahia. O Jorge Amado dizia que o artista é como um pão, que se esconde no forno, é impossível esconder o aroma, mais cedo ou mais tarde ele se revela. A minha 1§ exposição foi lá e ele me incentivou muito, para que eu não desistisse. Depois da Bahia, expus no Rio e foi um sucesso e assim por diante.

Estou há 30 anos nesta labuta, e isso já se tomou uma segunda natureza. Ultimamente, não pinto por obrigação, pois já me liberei. Quero pintar para mim, quando eu tenho vontade, sem nenhum compromisso, com galerias.

IZZA – Qual é o seu estilo?

DO CARMO – Bem primitivo. Já tentei sair dele para agradar aos críticos que geralmente não apreciam o primitivismo, e o resultado foi uma enorme depressão. Então voltei a fazer o que realmente gosto. E agora já estou fazendo síntese. Acho que todo o artista chega a uma fase em que começa a simplificar, transmitir com menos pinceladas, o que pretende. Atingi o auge, o clímax da síntese. De modo geral, o caminho é este.

Neste trinta anos de pintura, fiz duas individuais por ano, fora as coletivas. Estive em Buenos Aires e Montevidéu, expondo. Expus em Munique, representando o Brasil, mas expor fora foi um problema, porque os meus quadros não voltaram. Inclusive, uma vez eu estava folheando uma revista estrangeira e vi o meu quadro ocupando uma página inteira. Eu quis fazer contato mas ele já estava na Holanda e não consegui encontrá-lo. Foi incrível, por isso me retraí.

IZZA – Porque você acha que o primitivo às vezes é mal interpretado?

DO CARMO – Acho que a arte no Brasil ainda não é coisa séria. Aqui em Curitiba a maioria dos marchands possui quadros meus, mas este pessoal novo que está começando a fazer o seu acervo, não tem muita informação sobre o primitivo, por isso não valoriza. O primitivo é discriminado e mal interpretado. Realmente houve a fase do modismo, surgiram muitos trabalhos no estilo, porém o que não era bom, não marcou.

Há trinta anos sou fiel a meu etilo, e não me arrependo. Eu gosto das coisas bem brasileiras. Tentei captar a emoção popular, o folclore que sempre me sensibilizou. As raízes não devem ser esquecidas.

IZZA – Qual foi a fase que mais a marcou na pintura?

DO CARMO – Quando o artista não está no estado febril, a pintura é fria e algumas pessoas gostam mais. Estado febril é aquela ânsia que o artista passa de se comunicar, de emoção. O que gratifica é quando uma pessoa se identifica com o trabalho que apreciamos. Quando alguém aprecia uma tela minha, que eu acho que é arte pura, fico tão feliz que por mim, até daria a tela.

Lá no atelier eu tinha um quadro há quase 15 anos, chegou uma pessoa e se encantou com ela, exatamente do jeito que estava, então eu senti que já não desejava vender o quadro, porque o fiz num momento de pureza, de pura arte. O interessante é que depois de tantos anos alguém se comunicou com ele. Isto é o mais gratificante.

IZZA – Sendo você autodidata, como foi que descobriu o dom da pintura?

DO CARMO – Quando pequena, nem me passava pela cabeça, pintar. Na minha casa havia muita música. Cada um tocava um instrumento, ou estudava ballet. Meu pai, Tenório Cavalcanti, valorizava a música, e era bastante exigente. Confesso que pensei em ser jornalista, mas ele logo me desanimou quanto ao assunto. Aos dezoito anos escrevi um romance “A Drakma Perdida”, mostrei para ele, que logo me desestimulou e agora compreende porquê.

Primeiramente, me dizia que eu deveria ter um estilo, mas tinha medo de revelações de talento na família, porque ele era um homem realmente talentoso, que até foi marcado pela genialidade. Temia também o sucesso, porque na época ele já era uma vítima dele. Não queria que acontecesse com os filhos o que havia acontecido com ele. Depois que casei, meu marido me estimulou, e aí veio a minha pintura

IZZA – Você me contou que adora escrever?

DO CARMO – Claro que sim, inclusive meu pai chegou a ter um jornal. Escrevia muito, e adorava viver o jornal no dia- a-dia. “A Luta Democrática” um jornal de oposição, por isso não teve o apoio dos grupos econômicos. Este jornal sobreviveu quase vinte anos somente de vendas. Foi uma coisa inédita. Ele fez escola, e quando foi fundado a proposta era outra, depois tomou-se um jornal popular que esgotava cedíssimo.

Quando o operário chegava na estação de trem, às quatro horas da manhã, lá estava o jornal. Ele chegava na fábrica já com todas as informações. A Luta Democrática conscientizava o empregado de seus direitos, por isso marcou época. O meu desejo era escrever no jornal, mas meu pai era muito machista, achava que mulher não deveria trabalhar e sim ser mãe, e depois ele tinha medo que a gente se metesse naquela barra pesada do jornal e se comprometesse.

IZZA – E a política?

DO CARMO – Eu adoro, como eu gostaria de estar aí nesta luta. Eu acho que agora seria a hora, porque se deixarmos, somente os medíocres vão tomar conta, porque as pessoas de boas intenções estão se acomodando. Todos deveriam fazer alguma coisa, porque se nada for feito, a situação vai continuar assim. Acho que a política deveria ser ensinada nas escolas para que o jovem aos dezesseis anos tivesse mais conhecimento.

Nesta situação de agora, os jovens não estão conscientes de nada, poderão ser facilmente manipulados porque não têm consciência política. Veja, este coronelismo que existe o interior; eles fecham as escolas em vez de incentivarem o estudo, as informações.

IZZA – E a Do Carmo escritora?

DO CARMO – Trabalho em ritmo acelerado. De manhã me dou o luxo de ficar na cama até a hora que eu quiser, mas de noite também não tenho horário para dormir. Me revelei exatamente como escritora com a biografia de meu pai. O filme “O Homem da Capa Preta” foi baseado no meu livro, que escrevi em 87 e já está na quarta edição. Foi publicado pela editora Record. Este livro foi uma coisa muito séria, porque levei dez anos para concluir.

IZZA – O que a levou a escrever a biografia de seu pai, Tenório Cavalcanti?

DO CARMO – Porque ele era meu herói, meu ídolo. E quando vim morar em Curitiba, a distância me deu uma nova visão dele, mais histórica e conscientizei de que ele não era o pai herói, e sim uma pessoa que teve mil defeitos. Foi vítima de um sistema. Um homem obstinado, preocupado com a justiça social, um idealista sonhador, um Dartagnan, um Robin Hood. Eu, desde criança, guardava todos os recortes sobre ele, os bilhetes que ele recebia coletei tudo.

Até um bilhete do Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e muitos outros. Cataloguei e comecei a escrever. Quando ele começou a ficar doente, temi que ele perdesse a memória, então comecei a gravar seu depoimento. Sua cabeça era história viva, e daí por diante comecei a captar muitas coisas. Quando a memória dele apagou completamente, eu já tinha o material baseado naquelas informações e comecei a pôr no papel.

IZZA – E, como é que “O Homem da Capa Preta” chegou ao cinema?

DO CARMO – Quando o livro estava pronto, e fase de edição, José Louzeiro se interessou em fazer o roteiro do filme que demorou três meses. E o filme acabou recebendo o prêmio do Festival de Gramado, como música, roteiro, etc. Não recebemos nada até hoje. Bem, mas o objetivo era resgatar a memória de Tenório Cavalcanti para que ninguém o recordas- se como pistoleiro.

O meu livro realmente atendeu ao objetivo. Enfoquei meu pai no processo histórico do País. O livro está na 4- edição e a crítica foi muito favorável; todos falaram dele com muito respeito. Como eu já gostava de escrever, depois do “Homem da Capa Preta” tomei impulso.

IZZA – Qual foi o próximo passo?

DO CARMO – Comecei o livro do J, o livro que faz a história. Pesquisei todos os J, desde o princípio da Bíblia, até o José Sarney, os dias de hoje. Atualmente estou escrevendo o “Doce Aroma do Azul”, sobre autoconhecimento, que já está em fase de revisão.

IZZA – O livro do J já foi lançado?

DO CARMO – Eu até fui convidada para participar do programa do Jô Soares para falar sobre este livro, porque ele também é J. Agora estou aguardando a produção do programa marcar o dia. Você sabe que o problema e a edição aqui no Brasil, pelos custos é um problema. As editoras têm medo de investir e isso atrasa os planos da gente. Este livro me surpreendeu, porque cada vez mais, constatei a assiduidade desta letra nos nomes de pessoas importantes de nossa história.

Veja: Guimarães Rosa, é João, Maria Antonieta é Joana Josephina de Lorena; São Francisco de Assis é João Bernardonni, Jesus Cristo, seu avô era Jacó, o outro era Joaquim, o pai era José, quem o traiu foi Judas, quem divulgou o cristianismo foi João Evangelista, ele também era cercado por J. João Kennedy, casado com Jaquelyne, o pai era Joseph, o irmão que morreu no acidente também era Joseph.

Estas circunstâncias do J são impressionantes e aguçaram a minha curiosidade, porque foram pessoas que deram a sua contribuição para a mudança do mundo. Contribuíram para a evolução da humanidade. Este livro ainda não foi editado, agora vou para São Paulo tratar disso.

IZZA – E o Doce Aroma do Azul?

DO CARMO – Ele está em fase de revisão. É um livro que trata do autoconhecimento e domínio interior. É baseado no Fischer Hoffmann, um método ainda não muito conhecido no Brasil de auto conhecimento. A tendência das pessoas no mundo é a desprogramar tudo e dar entrada à nova visão mais lúcida, clarividente. Nele falo sobre a minha experiência, perguntas e respostas que encontrei com o auto conhecimento.

IZZA – Você se sente realizada com todo este trabalho?

DO CARMO – Estou realizada com o meu auto conhecimento. Sei que os meus livros e minhas pinturas são excelentes para o meu ego. O ser humano sonha com o sucesso, com a auto realização e às vezes esquece dos seus próprios valores verdadeiros. Agora me sinto realizada, porque me conscientizei da realidade.

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