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“A VIDA DA GENTE SÃO MOMENTOS, MAS ACREDITO QUE TUDO ESTÁ ESCRITO” fala Lourete Tacla

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Curitiba, 30 de outubro de 1988

LOURETE TACLA. Conhecida, admirada pelos que a conhecem, há muito dedica uma parte de sua vida à Assistência Social. Uma parte, porque a outra é voltada a família que ela considera em primeiro lugar. Nesta entrevista ela nos conta como pensa, o que pretende realizar, e o que já realizou sempre em benefício da comunidade. Esta é Lourete Tacla.

 

IZZA – Lourete, como e por que teve início a Sociedade das Senhoras Sírio-Libanesas do Paraná?

LOURETE – Um grupo de senhoras da Sociedade Sírio-Libanesa estava achando necessário fazer uma associação que pudesse atender pessoas carentes a colônia, para que estas pessoas não tivessem necessidade de pedir esmolas. Elas emigravam, a fim de trabalho, mas às vezes não era tão fácil arranjar emprego. Então o grupo de fundadoras, encabeçado por dona Maria Fatuch trabalhava toda a semana O lanche era mensal, caseiro, cada uma levava um prato, pagavam o chá e a mensalidade. Com o dinheiro em caixa, era possível dar assistência às pessoas necessitadas, nunca você deve ser visto um patrício pedir esmolas, alguns porque trabalham muito e outros porque tiveram auxílio da sociedade. A ajuda abrange tratamento médico, funeral, sobrevivência etc. Foi esse o principal motivo da fundação desta sociedade.

IZZA – Há quantos anos você participa desta sociedade?

LOURETE – Eu me casei em 49 e já entrei de sócia e iniciei meu trabalho. No começo não tive filhos, os quais vieram somente após seis anos, portanto tinha tempo para atuar. Dona Maria Fatuch era a alma da sociedade e eu a ajudava. Fui tesoureira. Ficava sempre junto dela para ter maior conhecimento. Sempre me senti bem porque meu marido me apoiava muito, depois tive filhos, mas continuei trabalhando porque achava que tinha condições de tempo e financeira. Tive somente filhos homens e facilidade para educá-los e, além disto, sempre tive saúde, então me dediquei inteiramente e foi gratificante. Quando a gente faz o bem, nos sentimos ótimas, pois a satisfação pessoal é essencial. Sinto-me feliz porque recebi até hoje, inúmeras homenagens. Fiquei como tesoureira, ajudei nas campanhas e em 1975 assumi a presidência, mas antes disto, fizemos uma lista de assistidos, dávamos dinheiro, auxílio. Muitos deles são atendidos até hoje. São 47 pessoas e o interessante é que a minoria é árabe, pois os pedidos foram surgindo e fomos atendendo.

Os assistidos são idosos, ou pessoas que têm problemas sérios. Para a nossa entidade, atualmente as coisas não estão fáceis, pela época que atravessamos. Por exemplo mantemos uma senhora que tem um filho excepcional, não tem para onde ir e não quer se separar do filho, e como não tem condições financeiras, pagamos o aluguel e atendemos no que seja necessário. O aluguel, hoje, já está em doze mil cruzados. Esse dinheiro todo é tirado de promoções, porque a nossa mensalidade sempre foi irrisória, hum mil e duzentos cruzados por ano. Quando assumi, achei que seria possível fazer alguma coisa que ficasse com o nome da sociedade e em 87 propus à diretoria construirmos algo para o idoso, porque soube que era o lado mais necessitado.

Em 78 começamos a fazer algumas promoções que revertiam em benefício das instituições que participavam. Pretendemos mandar um relatório para todas as pessoas que nos auxiliaram, divulgando e esclarecendo o movimento financeiro da sociedade. Em todos os lanches, a situação era esclarecida, mostrávamos o balancete e publicamos muitas vezes em Diário oficial. Consegui registrar os estatutos, que ainda não tinham sido registrados até então. Uma sociedade familiar sem grandes pretensões, porém sempre tivemos muita força para trabalhar. Achei que tudo deveria ser legalizado e consegui a aprovação da condição de utilidade pública. Antes, em todas as promoções realizadas, o dinheiro era doado para as associações que nos solicitavam. Na Feira as Bandeiras, a verba arrecadada foi destinada para o Hospital do Câncer. Trabalhamos durante três dias. Mandei buscar inclusive artigos do Líbano, pois consegui a isenção com o embaixador do Iraque.

IZZA – E as outras promoções foram destinadas somente para o Lar dos Idosos?

LOURETE – Não, auxiliamos os deficientes da visão, transplante de córnea, deficientes e audição, hospitais, banco de olhos do qual eu fui uma das fundadoras com a médica Sali Moreira. Inclusive, fui convidada para ser presidente, mas não aceitei e fiquei como diretora. Fizemos lanches na casa dela aqui. Instituímos prêmios com o nome de meu marido, “Mounif Tacla” e outro com o nome de Sociedade Beneficente as Senhoras Sírio Libanesas, para o melhor trabalho de doação de córnea, porque, quando foi feita esta associação, as pessoas tinham medo, não sabiam exatamente o que era doação de córnea, consequentemente ninguém queria doar. Por isso foi feita uma campanha de conscientização para que cooperassem.

Em tudo o que trabalhamos, todo o dinheiro foi dado, pois nunca ficou nada na associação. Nos mantínhamos com a renda dos chás e das mensalidades para ajudarmos os assistidos. Muitas pessoas não têm conhecimento disto e acham que temos uma verba grande porque realmente a sociedade trabalhou bastante. A arrecadação para o Lar dos Idosos começou depois de 1980. Agitamos mais as promoções para conseguirmos realizar alguma coisa. Claro que sempre existem as dificuldades. Primeiramente o terreno só nos foi doado em 1982 na gestão de Ney Braga e somente depois de um ano ou dois, consegui o projeto via Rotary, dr. Elson Gomes. Este projeto era excelente, mas impossível de realizar devido aos custos. Pedimos então para outra pessoa e também não foi possível. Então consultei vários profissionais, e até da Espanha recebi orientação.

IZZA – Em que consistia este projeto?

LOURETE – Pesquisei qual seria a melhor forma de construir um lar, porque pensei em fazer o melhor, com excelente atendimento e não um depósito de velhos. Muito sol, terapia ocupacional, uma coisa muito boa, porque o terreno é muito bonito. Enfim há dois anos ganhamos outro projeto que aprovamos, do arquiteto de Spartano Tadeu da Fonseca. Neste projeto conseguimos o hidráulico, o elétrico gratuitamente.

IZZA – E, quanto à construção?

LOURETE – Estou me sentindo com dificuldades de iniciar porque com a inflação, com a situação do País, tantas mudanças, as coisas se tomaram mais difíceis. Desde 82 começou a mudança e sei que, se tivéssemos podido construir naquela época, tudo teria sido mais fácil. Neste ano fizemos uma rifa de um carro, TV, moto etc. e foi dificílimo vendermos, mesmo a 300 cruzados o bilhete. Realmente está difícil atualmente a realização deste projeto, por isso estamos estudando outra forma

IZZA – Não havendo a possibilidade momentânea da construção, não daria para aguardar mais um tempo?

LOURETE – As pessoas cobram sem saber a realidade, por isso decidimos fazer um relatório e mandar para todas as sócias. Os chás não rendem praticamente nada porque os gastos são enormes e o que sobra é pouco. As pessoas mudaram, estão mais exigentes, não vêem a assistência social como antigamente. Eu fiz campeonato de tranca, o prêmio eram dois tapetes persas pequenos, e sabe quanto rendeu? Cinquenta e dois mil cruzados. Além disso, há ainda o lanche e outros gastos que a diretoria oferece, coopera, doações, clube de graça, convites, procuramos tirar todos os custos. O dinheiro que temos foi o resultado de coisas pequenas, o que aplicado foi somando, em fundos, caderneta de poupança, etc, mas com a atual situação as dificuldades aumentaram. As promoções que deram mais foi um bingo no Curitibano e esta rifa que fizemos agora Eu comprei todos os prêmios para termos algum lucro.

IZZA – Os prêmios que não saíram ficaram para a associação?

LOURETE – Como não conseguimos vender todos os bilhetes, ficaram para a associação. Trabalhei durante cinco meses, vendendo, indo a firmas. A rifa teria que render seis milhões e deu somente dois milhões e novecentos. Eram vinte mil números. O carro, a moto e a TV vendemos conseguimos repor.

IZZA – Você não acha que este trabalho que você faz e para o qual muitas pessoas se dedicam, às vezes é incompreendido pelas pessoas?

LOURETE – Eu sempre encontrei muito apoio, quanto a isso não posso me queixar. Sempre acreditam muito em mim e na minha competência. Alguns pensam que atuamos neste campo para aparecer, e não é nada disso. Eu dei tudo o que pude até hoje, que trouxesse benefício. Quando fiz o Centro Gastronômico fiquei três anos trabalhando para que desse certo. Formei uma comissão com o dr. Caetano Braga Cortes já falecido, com o Lincoln Gomes Ferreira, com a Maria do Carmo Ataíde Guimarães, e com José Ribas e Lavínia para dinamizarmos aquele setor.

Quando o Jaime Lerner ofereceu, achei que seria uma forma para mantermos o “Lar dos Idosos”, pois 40% seria para a URBS e 60% para a entidade, então me joguei de cabeça e quase todas as noites tínhamos reuniões, me privei inclusive de minha família por um ideal social. Quanto à construção do lar, sinto que as pessoas não estão com o mesmo estímulo porque ainda não entenderam que há muitos problemas alheios a minha vontade. A diretoria está vendo grandes dificuldades para a construção. Estamos tentando quem em saber. Fora isto, tenho realizado muitas coisas dentro da coletividade, atendendo a várias causas. De promoção este ano fizemos somente a rifa.

IZZA – O que seria o Centro Gastronômico?

LOURETE – É um pavilhão no Parque Barigui de dois blocos. Arborizamos, plantamos flores etc, lá funcionaria um restaurante de cada etnia. Este centro seria dinamizado por nós. Foi impossível porque na época, há 5 ou 6 anos era longe, não tinha muita iluminação. Estava abandonado antes de termos a idéia. Devolvi para a URBS que também não realizou o projeto. Agora o parque está lindo, mérito do atual secretário do Meio Ambiente, o pastor Elias Abrão.

IZZA – Você já pensou em entrar na política?

LOURETE – Já fui convidada, mas nunca aceitei. Estava até entusiasmada, mas sempre um friozinho devido à sociedade beneficente. Eu, não sendo política, sempre me dei bem com todos os governos e sempre tive como prioridade a assistência social. A sociedade sempre foi o meu amor. Por muitos anos briguei e brigo pelos árabes e seus descendentes para que sejam reconhecidos. Inclusive em questão de religião porque há muitos anos, aqui, o pessoal nem sabia se eramos católicos, maronitas, ortodoxos ou muçulmanos e nos chamavam de turcos como termo ofensivo.

A sociedade não os aceitava direito e eu usei muito termo árabe, fundei o folclore do Paraná, e no setor cultural trabalhei bastante. Fiz inclusive um trabalho para o Instituto de Educação do Paraná por ocasião de seu centenário. Foi sobre os imigrantes e expliquei por que éramos chamados de turcos. Nossos avós vieram para cá, e quem dominava o Líbano e a Síria era os turcos. Chegavam aqui com o passaporte turco-sírio ou turco-libanês, e ao chegarem aos postos daqui já eram turcos. Daí veio esse termo. Tenho muito orgulho de minha origem e ficava ofendida. Infelizmente o folclore se extinguiu, mas a parte cultural, não. Acho que aqui sou a pessoa que mais coisas tem da Síria e do Líbano. Livros, roupas, instrumentos, etc.

IZZA – Você participa comercialmente nas lojas da família?

LOURETE – Não. Sempre fiz assistência social. Meu marido não gostava, depois meus filhos também não. Agora vou participar mesmo, abrir uma fast food em nosso Shopping “Mounif Tacla” que vai ser inaugurado no final de novembro. Todos os meus filhos trabalham no ramo do pai.

IZZA – Em todo esse tempo o que mais a emocionou?

LOURETE – A primeira vez que fui mãe. Depois, foi receber em 78 o título de “Cidadã Honorária”. Também os trabalhos e promoções que fiz, mas sempre a família esteve em primeiro lugar. Sei que cumpri com todas as minhas obrigações, não me descuidei de nada. Acho que devemos preservar muito a família, pois caridade se faz primeiro dentro de casa. Não adianta termos necessitados na família e atendermos os de fora. Procuro unir sempre a família, dar exemplos para que tu- do ande bem. Usei bem a minha vida porque sempre fiz tudo que pude para atender a quem precisasse. Sei que não vou mudar, e me sinto bem assim, de acordo comigo mesma e com a minha personalidade. A vida da gente são momentos, mas acredito que tudo está escrito. O mais importante é cumprirmos tudo e nos sentirmos felizes e realizados.

 

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