Curitiba, 8 de janeiro de 1989
LALA SCHNEIDER. É indiscutivelmente a 1ª dama do teatro paranaense. Traz consigo uma bagagem enorme, experiências que viveu e continua vivendo. Mulher vibrante, de forte personalidade nos conta com entusiasmo a sua vida de atriz, transmitindo em cada gesto a afinidade com seu grande amor: o teatro. Esta é Lala.
IZZA – Como foi o início de tua carreira?
LALA – Comecei no teatro como amadora, por uma coincidência, porque eu trabalhava no Sesi, que, na época era novo no Paraná. Foi fundado em 1948, e em 1950, o diretor da divisão em que eu funcionava, que era Recreação, decidiu montar um grupo de teatro e contratou o Valdemar Silva que era diretor e fazia já teatro amador, e pediu-lhe que formasse um grupo. A ideia foi começar com os funcionários para ver o que aconteceria. Fui convidada e confesso, eu nunca havia pensado em ser atriz porque de teatro na época, eu conhecia pouco. Eu sempre ia muito ao cinema, mas achava que o cinema estava muito longe, porque nem se falava na época em cinema brasileiro. Havia a Atlântida, as comédias, era isso que a gente tinha conhecimento, e eu era de Curitiba, uma simples funcionária, jovem, não sonhava muito, pelas condições do momento. Claro que gostaria de aparecer, estar em público. Muitas vezes pensei nisso na minha época de mocinha, de adolescente.
Me recordo que vestia as roupas de minha mãe, cantava na frente do espelho e queria ser Ginger Rogers, dançar com Fred Astaire. Eram com essas coisas que eu sonhava, não que eu pensasse que um dia isso viria a acontecer, porque antigamente tudo era mais difícil, agora já temos uma escola, uma faculdade de teatro, cursos de manequim, de dança, mas antes a gente não tinha acesso a isso ainda mais sem condições financeiras. Moça não saía à noite sozinha na rua, e eu morava em bairro e tinha até dificuldade de sair para ensaiar, mas fui privilegiada porque tínhamos uma Kombi a disposição que nos buscava e trazia após o ensaio. Fiquei treze anos fazendo teatro amador no grupo do Sesi, fomos os desbravadores em Curitiba das periferias, dos bairros, porque o Sesi dava assistência, recreação aos trabalhadores, tivemos acesso às sociedades operárias, beneficentes. Então começamos a fazer teatro em todos os bairros, Abranches, Primavera, na Sociedade do Portão, da Água Verde, do Batei etc. e ali eu fui adquirindo certa experiência tanto da parte de produção como no trabalho de atriz. Os anos foram passando, a diretoria do Sesi mudou, não se fazia mais teatro, mas nesse Ínterim eu já era profissional.
IZZA – E como profissional, o que aconteceu? Qual foi o passo seguinte?
LALA – Eu saí do Sesi diretamente para o Teatro de Comédia do Paraná, e passei a fazer rádio teatro na rádio Colombo durante, aproximadamente seis anos, daí o Stresser, que era diretor da rádio Colombo, do Diário do Paraná e que era também do Canal 6, no início nos disse que não haveria mais rádio teatro e sim teleteatro e que alguns elementos poderiam ser aproveitados. Alguns foram imediatamente contratados, o diretor ficaria o mesmo, o Ari Fontoura. No dia da inauguração do Canal 6, veio uma atriz de São Paulo para fazer uma peça, e nesta peça somente trabalharia ela e mais uma atriz, em algumas tomadas, e eu fui convidada. Para mim, foi uma surpresa porque, quando me disseram que eu começaria a fazer televisão fiquei desanimada. Eu pensava que para entrar na TV seria necessário ter uma cara bonita, ser bem-feita. Eu não era complexada, mas nunca me achei bonita, me achava queixuda, nariguda, pele feia e por mais incrível que pareça, a primeira a ser convidada fui eu, a 1ª atriz paranaense que apareceu no Canal 6 e aí não parei mais. Durante dez anos fiz novela no 6.
IZZA – Quais eram os atores e atrizes de destaque nesta época?
LALA – Ari Fontoura, Glauco Sá Brito, Florival Gomes, Maurício Tavora, Sinval Martins, Claudete Baroni que já faleceu, Odelair Rodrigues. O Paulo e a Nicete Bruno vieram para o Teatro de Comédia do Paraná depois de alguns anos de inauguração do Guaíra. O Guaíra inaugurou mais ou menos em 58 e em 64 o governo Ney Braga decidiu formar um grupo oficial. Veio o Cláudio Corrêa e Castro para dirigir e logo em seguida, veio Paulo e Nicete que eram muito amigos de Cláudio. O casal fez um programa de TV inclusive. Eles atuaram no teatro de comédia do Paraná que, durante 6 anos, funcionou maravilhosamente bem, com textos lindos, grandes montagens, produções. Naquela época, na década de 60, o Paraná efervesceu, tínhamos o Teatro de Comédia, o Canal 6 e o 12 que esporadicamente fazia novelas. Nós estávamos todos empregados, os atores tinham segurança.
IZZA – Quantos anos durou esta segurança?
LALA – Foi mais ou menos de 63 a 70. Houve a inauguração do grande auditório que também foi uma produção paranaense, bonita, grande. Depois disso mudou o governo e a coisa foi sumindo. Acabando, o Ronald Stresser, também mudou o Canal 6 que era na José Loureiro e passou a ser nas Mercês. Começaram a vir os enlatados da Globo, porque nós fazíamos pela Tupy, tudo era ao vivo, novela, teleteatro, era incrível e de repente começou a era do tape. Aí a Tupy mesmo, produzia em São Paulo, no Rio e mandava para cá o que facilitava para os proprietários do Canal em termos monetários, porque era bem mais em conta do que sustentar um elenco. Nos dispensaram depois de dez anos de trabalho porque não interessava mais. A Tupy se foi, a Globo e a Bandeirantes monopolizaram, e nós ficamos até hoje sem fazer nada. Cruzados para montar uma peça, com economia, se consegue lazer alguma coisa a exemplo de Oraci Gemba, que realizou no ano passado “Vereda da Salvação”.
IZZA – Nesta época muitos artistas foram embora. Eu soube inclusive que você teve vários convites. Porque não aceitou?
LALA – Até a Bibi Ferreira quis me levar. As propostas que me fizeram foram vagas, e eu sempre fui muito pé no chão, pois sou do signo de Touro, terra, muito apegada às coisas. Me lembro que quando a Bibi me propôs, chegou até a dizer o salário, que no momento não me recordo. Eu já era funcionária do Sesi na época, e o salário proposto não era muito superior ao que eu já recebia e além disso, eu aqui vivia com minha mãe. Era única filha solteira, sua companheira, e não me empolguei em tirá-la daqui. Minha irmã, casada morava fora de Curitiba. É claro que podia contar com meus irmãos, mas homem é diferente. A diferença de salário era muito pequena e achei que não valeria o sacrifício. Não sou aventureira, não trocaria o certo pelo duvidoso.
Maria Fernanda também quis me levar e me ofereceu chances. Não aceitei não me arrependo porque hoje que conheço melhor o movimento teatral nos outros Estados, e conheço a luta de meus amigos para conseguirem alguma coisa lá fora, acho que fiz bem. Lá existem muitos paranaenses, mas me conte, quantos conseguiram o sucesso? Ari Fontoura foi e é um deles. Muitos outros não aguentaram a barra ou permaneceram quase que no anonimato. Acho que se a pessoa sai daqui é para ser destaque, do contrário é melhor ficar em seu próprio meio. Eu prefiro ser Laia Schneider do Paraná, aqui no Paraná, do que mais uma no Rio ou em São Paulo. Muita gente hoje em dia confunde, acha que o Paulo e a Nicete Bruno são paranaenses, mas não é verdade, eles são paulistas que vieram morar aqui durante seis anos e depois voltaram, inclusive numa entrevista que dei, saiu que eles eram paranaenses, mas não é verdade. A Nicete, quando veio para cá já era atriz famosa em São Paulo. Fez teatro desde criança pois a mãe dela já era atriz.
IZZA – O que você acha quanto ao incentivo dado aos artistas?
LALA – Temos incentivo atualmente da imprensa, disso eu não posso negar pois temos acesso, não tanto quanto o da época florida de 60. Mas em outros pontos não temos mais, nem do público, que não comparece a produções paranaenses, não acredita. Já acreditou pela força do Teatro de Comédia do Paraná, quando ele fez sucesso. Na ocasião os grupos independentes como o José Maria dos Santos, Oracy Gemba, Antonio Carlos Kraide tinham seu público, porque ele se habituou a ir, mas quando o Teatro de Comédia acabou, o nosso público mudou porque convenhamos, não é mais aquele da década de 60, que era a burguesia, famílias. Hoje o público é jovem, universitário que não conheceu, não nos conhece e hoje o burguês, quando vai, é para ver um nome, como a Fernanda, o Raul Cortez, Marilia Pera etc. Por isso, a falta de incentivo para nós da casa é total. Precisamos que o governo patrocine um grupo oficial, porque podemos fazer um bom espetáculo como trabalho de ator, mas não temos condições de fazer uma superprodução devido aos gastos, é caríssimo.
Existe a Lei Sarney, mas é um engodo. O próprio subsídio que dá a Secretaria da Cultura, que dá o governo, é um pouco irreal porque eles dão um lado e tiram do outro. Explico, se dão por exemplo uma verba de 500 mil cruzados para montar uma peça, com economia, se consegue fazer alguma coisa a exemplo de Oraci Gemba, que realizou no ano passado “Vereda da Salvação”. O cachê dos atores foi pago pela Secretaria, mas de repente o aluguel do Teatro Guaíra, por dia, para taxas de luz, porteiros, etc. não era nada baixo, então, concluindo, a Secretaria deu o dinheiro e daí cobrou o aluguel. (A Fundação Teatro Guaíra, é um órgão da Secretaria). Dá de um lado e tira do outro e além disso a gente não consegue fazer público porque os problemas burocráticos, não se consegue mais de quinze dias de casa, portanto quando começa a surgir o lucro, não há mais teatro para prosseguir.
No Teatro de Comédia do Paraná, a produção era do Estado o elenco era pago também pelo Estado e podíamos realizar grandes produções como a “Megera Domada” que levamos até para o Teatro Municipal do Rio. Fizemos o “Livro de Cristóvão Colombo” que teve uma montagem maravilhosa, “As Colunas da Sociedade” e muitas peças de grande valor, então o público prestigiava porque os atores e diretor eram de fora, e o lucro aparecia, havia retomo. A Fundação Teatro Guaíra mantém um coral, uma Orquestra Sinfônica, um corpo de baile e uma Universidade de Teatro, de Artes Cênicas e não tem um grupo de teatro oficial. Dá para acreditar?
IZZA – Nada está sendo feito neste sentido?
LALA – Na última conversa que tivemos com Renê Dotti vimos que ele está muito empenhado em reerguer o Teatro de Comédia do Paraná ou o Teatro Oficial, o nome não importa o que conta é o interesse dele no assunto. Há uma probabilidade de reformar o Teatro da Classe e colocar um elenco oficial no local, o que seria fantástico. O governo não é o único culpado, nós os próprios atores também somos, porque já houve grandes movimentos, Oraci Gemba, quando foi diretor do teatro já quis formar um grupo oficial, mas com a dita cuja diplomacia, quis reunir toda a classe para discutir as vantagens e desvantagens do projeto, aí a maioria votou pela não criação e para que esta verba que seria destinada para a criação fosse distribuída entre os grupos. A maioria venceu e o grupo não aconteceu. A pergunta era a seguinte: Qual seria o subsídio dos atores que não estivessem trabalhando nesse grupo oficial? Logicamente que nem todos poderiam participar.
Agora eu te pergunto: Todos os cantores de Curitiba fazem parte do Coral do Teatro Guaíra? Lógico que não. Todos os músicos paranaenses estão na Orquestra Sinfônica? Claro que não. Todos os bailarinos de Curitiba estão no Grupo de Dança do Teatro Guaíra? Impossível, então porque todos os atores deveriam estar? Sorte daqueles que fossem convidados para participar do Grupo Oficial. Eu inclusive, abri mão e falo com toda a sinceridade, não é por mim. Acho que esse grupo oficial só funcionária se tivesse horário integral de 8 horas de trabalho com oficina de teatro, aulas, uma estrutura para ser muito bom e eu atualmente não me sujeito a trabalhar 8 ou 10 horas por dia, bater ponto, por isso abri mão.
Claro que se sou convidada para fazer uma peça esporadicamente, lógico que eu aceito, mas é diferente porque no caso sou contratada por determinado tempo o passo que um elenco oficial tem que ser trabalhado, ter bom preparo. Eu continuo lutando por um elenco oficial, pelos jovens que estão se formando no curso de teatro, eles precisam ter campo de trabalho. Eu dou aula no curso superior de Artes Cênicas, curso muito, e o que estou dizendo, são verdades, e se elas não são ditas, nada se arruma. Acho bonita a preocupação do secretário René Dotti, que realmente tem demonstrado vontade e empenho na abertura do Teatro Treze de Maio. Que brevemente entrará em reformas. Isto será maravilhoso porque será o espaço do Grupo Oficial. Não haverá limite de tempo para apresentação das peças.
IZZA – Vejo que algumas peças em São Paulo e Rio, ficam em cartaz anos e anos. Isso não é muito desgastante para o ator?
LALA – A Vivian Leigh fez na Broadway, durante vinte anos “Um Bonde Chamado Desejo” e Maria Fernanda fez no Brasil, eu acredito, que durante cinco anos, não seguidos, safa de cartaz por alguns meses e voltava sempre, lotava a casa diariamente inclusive viajou pelo Brasil também. Claro que a vida de um ator é desgastante e de repente quando a gente entra no cinema é mais ainda.
IZZA – Você já fez cinema também, qual foi o teu primeiro filme?
LALA – Eu fiz sete filmes e não tive no cinema a mesma sorte que tive com teatro, porque acho que fui predestinada para ele. Quando o teatro estourou na minha vida, foi para eu não parar mais, ter um nome, ser bastante homenageada, para ganhar dinheiro. Não digo que me mantive somente com ele, porque fui funcionária do Sesi durante 28 anos, mas o teatro me deu muita coisa. Entrei na boa fase, acho que foi isso. Quanto ao cinema, fui convidada há muitos anos atrás para fazer “Maré Alta”, com um grupo de São Paulo, um diretor famoso na época, Egídio Écio, já falecido. Vieram atores e atrizes, técnicos todos de lá e foram convidados aqui de Curitiba alguns atores para pontas e eu e Idelson Santos fomos os únicos que fizemos papel de destaque. Foi filmado na Ilha das Cobras e o meu personagem era muito forte por isso me marcou. Eu era uma leprosa e louca encenada numa gruta. O enredo todo era amarrado por essa personagem. O filme foi uma droga, não sei o que aconteceu. O roteiro era de um paranaense e a produção era de um coronel da Polícia Militar que gostava muito de cinema. O roteiro foi fantasioso demais, pena, porque o meu personagem era bom.
IZZA – E você parou por aqui?
LALA – Não, depois o Silvio Bach me convidou para fazer “A Guerra do Pelados” que também foi uma produção paranaense, mas os técnicos e atores principais eram do Rio de Janeiro. Stênio Garcia e outros fizeram os maiores papéis e os atores daqui fizeram pontinhas. O meu personagem também era bom, apareceu bastante, mas não deu para fazer um nome dentro do cinema. Depois fui convidada para fazer “Aleluia Gretchen” também uma ponta, e depois uma comédia com produção paulista filmada em Antonina. Me deram o roteiro e era meio sem conteúdo, mas enfim era uma comédia engraçada, e como em cinema a gente faz as sequências e vem embora, eu fui, fiz e vim para cá. Eles ficaram lá filmando e eu não estava sabendo o que estava acontecendo.
Notei, que, no roteiro havia muitas modificações, estranhei, mas enfim… eu queria fazer cinema e quando o filme foi para ser lançado me avisaram que o nome havia mudado antes era “Rosinha Meu Amor” e me explicaram que não seria mais porque as distribuidoras não haviam aceito o título. Seria então “Galhos do Casamento”. Quando fui assistir e o final se aproximou, eu levantei me agarrei na cortina do cinema e quando terminou eu sai correndo de tanta vergonha. Era uma pomo chanchada das piores que eu já vi. A mocinha era a Aldine Müller, que depois foi a rainha da pomo chanchada. O seguinte foi um curta metragem de Dalton Trevisan “O Besouro”. Ainda não me sinto realizada com o cinema. Na TV, sim, eu sempre estava presente na época, dei sorte.
IZZA – O trabalho no cinema é bem diferente do teatro, não é?
LALA – É bem diferente, mas não deixa de ser emocionante. Os câmeras, os técnicos, o diretor, a iluminação, é ótimo, depois vemos o copião. Acho que de repente a gente tem que estar com o talento mais a flor da pele. Talvez eu não tenha tido muito sucesso no cinema porque eu já tinha muita experiência com o teatro. Me lembro que quando comecei na televisão, eu tive quase que reaprender, porque o diretor o Glauco de Sá Brito me chamava de careteira. Depois aprendi que as emoções teriam que ser mais contidas e menores do que no teatro. No cinema as emoções têm que vir sem um trabalho anterior e no teatro esse trabalho é importante, ensaios, a gente pesquisa o personagem, busca, estuda, faz laboratório. A gente vai na maioria emotiva, busca no passado, e no cinema não dá tempo, a coisa tem que vir de momento, de hora, não há ensaio, preparação, a concentração é muito maior do que no teatro. Para mim acho o teatro mais gostoso de fazer apesar de ser mais trabalhoso pelo tempo porque a gente acaba amando o personagem, nos aprofundamos tanto nele que ele passa a ser da gente, passamos a gostar dele ou odiá-lo, conviver com ele e no cinema não dá tempo.
IZZA – Quando aconteceu essa identificação profunda com o personagem ele não chega a interferir na vida pessoal do ator em seu procedimento?
LALA – Todo o ator leva um pouco de si para o personagem, uns muito mais, outros menos, mas todos se confundem principalmente na forma em que trabalhamos. Eu não digo que a gente vá viver depois, aquele personagem ou passar a vida vivendo igual a ele, mas a gente adquire características durante aquela temporada. Eu por exemplo, tive uma época que fiz uma peça em que eu fazia uma lésbica, e fiz sucesso, inclusive recebi em Belo Horizonte um prêmio nacional num festival onde estiveram presentes atores do Brasil inteiro. Eu ganhei o prêmio de Melhor Atriz com “Quatro Paredes” de Sartre e fiz muito sucesso. Lógico que não virei e nunca fui uma lésbica. Me recordo que quando fiz laboratório para essa peça, no ponto do ônibus, quando vinha do meu trabalho, na década de 60, eu parava com a perna aberta, e nessa época a mulher era muito feminina quase não usava calça, comprida. Este estudo foi engraçado. Bem depois que termina a peça, vem outra e a gente se volta para o novo personagem.
IZZA – A escolha do personagem tem a ver com a personalidade do ator?
LALA – Veja Beatriz Segall, não é fresca, mas sua especialidade é fazer esses papéis, ela tem facilidade em fazer o tipo e a televisão bitola muito os atores que, quando se saem bem num tipo ficam anos e anos fazendo a mesma coisa, e foi o que aconteceu comigo aqui. Tudo que era papel de mulher fútil de má, de prostituta, de mulher que traia o marido sempre era a Laia. Eu perguntava: quando vocês vão me dar um papel de mãezinha boa, sofredora ou uma tia? Eles pensavam que ninguém sabia pegar um copo com elegância como eu porque meus personagens as vezes bebiam, ou segurar um cigarro, então a dita cuja teria que ser eu. £ difícil tirar isso da gente.
Era o caso aqui da Claudete Baroni que era meiga, tinha uma facilidade enorme para chorar, então era escolhida sempre para esse tipo de papel. Ela sempre era amada. Inclusive a Regina Duarte sofreu bastante com isso, levou anos fazendo a boazinha até que um dia ela virou a mesa, começou a mudar atualmente é uma grande atriz, porque a boazinha bonitinha nunca chega a ser um grande atriz, não existe grandes papéis para esse tipo e personagem, pode ser querido pelo público por que é a mocinha, mas não pelo grande público entendido pelo trabalho de ator.
IZZA – Fale-nos sobre o apoio da imprensa quanto ao trabalho do ator paranaense:
LALA – Nós tínhamos de 1950 até 1970, todos os jornais, inclusive a Tribuna tinha uma coluna de teatro, quem escrevia era um crítico que assistia e comentava os espetáculos. Também o Oraci Gemba, o Edi Franciosa, Roberto Menghini, o Marcelo Marchiollo, todos escreviam, tinham uma coluna especializada em teatro, todos os jornais tinham, mas atualmente não existe mais, não sei se não acham interessante, ou não dá ibope ao jornal, realmente não sei. Você tem uma coluna social e está preocupada com esta parte, como outras colunas que têm se preocupado um pouco, mas o que é necessário é uma coluna direcionada mais especificamente as artes, não digo só ao teatro. E necessário ter uma coisa diária. O que mandamos para a imprensa sai mais como um anúncio, precisamos de uma crítica mais profunda e constante.
Veja, uma prova: eu estive sendo homenageada no final e abril de 87 no Festival de Teatro de Londrina por aqueles grupos maravilhosos que têm lá. Em Londrina esses grupos têm muito apoio da prefeitura e da universidade, coisa que aqui não temos, e me fizeram essa homenagem apresentando três peças diárias, uma de manhã, outra a tarde e a terceira à noite. Veio quase todo o Brasil para o evento. O que observei durante esses dez dias que estive lá é que parecia que eu estava fora em outro Estado e não no Paraná, eles não sabem nada o que acontece em Curitiba sobre arte como nós também aqui pouco sabemos do campo artístico de Londrina, porque não existe um intercâmbio a imprensa. Agora me pergunte sobre um crime acontecimento em Londrina, se no dia seguinte Curitiba inteira não sabe? Em uma catástrofe que tenha acontecido aqui, se Londrina Imediatamente não tem conhecimento? É rápido por causa do Cadeia, que está todos os dias na televisão. A divulgação é essencial.
IZZA – Esta homenagem foi marcante para você, não é?
LALA – Foi muito, porque todos os anos eles homenageiam um artista e em 87 fui eu a escolhida, a Laia Schneider de Curitiba, os outros anos e foram escolhidos nomes nacionais. Foi maravilhoso para mim e coincidiu com meu aniversário no dia 23 de abril. O teatro estava superlotado, descobriram que era meu aniversário e antes do espetáculo, um grupo entrou com um bouquet enorme de flores e uma menina anunciou meu aniversário. A platéia inteira cantou pra mim. Isso aconteceu logo depois que eu saí de uma operação delicadíssima que fiz poucos meses antes. Fiquei inconsciente por 33 dias, extraí um aneurisma e sou uma das poucas que se salvou, acho que nasci de novo. A homenagem foi marcante porque eu estava ainda com aquela alegria de ter renascido também.
IZZA – Como atriz você está fazendo alguma coisa no momento?
LALA – Agora não, acabei há poucos dias o trabalho de direção dos alunos do 3° ano de Artes Cênicas no Teatro Paiol. Atualmente estou mais envolvida com isso, mas já tive um convite muito interessante que estou aguardando que aconteça. Será feito aqui em Curitiba. Cinco monólogos para 30 atrizes, produção de José Maria dos Santos e direção de Roberto Inahtti, diretor paulista de sucesso.
IZZA – E a Lala mulher?
LALA – Eu sou desquitada. Era casada com um colega de televisão. Me casei com 40 anos, e foi maravilhoso enquanto durou. Tenho um filho com dezoito anos agora, que quer ser técnico, sonoplasta e iluminador de teatro, o que acho fantástico porque temos muitos atores e quase não temos técnicos. Não influencio na decisão dele.
IZZA – Para finalizarmos você gostaria de acrescentar alguma coisa?
LALA – Acho que já está completo, só gostaria de reforçar aquele apelo da volta do Teatro Oficial para ver se conseguimos fazer um público novamente, e também um critico, que a imprensa de importância ao teatro, prestigie, coloque uma pessoa especializada que vá, faça uma boa critica, que avalie, isso leva o público a assistir.