Curitiba, 10 de março de 1990
GISELE MIRÓ; campeã paranaense, brasileira, sul-americana, joga tênis desde os 8 anos de idade, representando com destaque o Brasil aqui e no exterior. Numa conversa informal, Gisele nos conta hoje, o que pretende e como chegou até aqui. Esta é Gisele Miró.
Izza – Como foi teu ingresso no tênis?
Gisele – Bem, toda a minha família é desportista, jogam vôlei, basquete, etc. Nas terças e quintas eu acompanhava a minha mãe ao Clube Curitibano para o jogo de vôlei, passava pela quadra de tênis e ficava assistindo as pessoas jogarem.com certo interesse. Surgiu a vontade de jogar e pedi em casa uma raquete. Foi minha avó quem me deu a primeira raquete. Acho que minha família não estava acreditando muito em mim na época, pois eu havia desistido da natação. Fui sozinha procurar um instrutor no Clube, e comecei a aprender. Levei sorte, pois com dois meses de tênis, venci o Campeonato Paranaense pela categoria de 8 a 10 anos. Todos se animaram e desde então, não parei mais. Minha família começou a me dar o maior incentivo.
Izza – Qual foi o próximo passo?
Gisele – Como eu venci o Campeonato Paranaense, tive o direito de disputar o Campeonato Brasileiro em Belo Horizonte, onde fiquei em terceiro lugar. Depois, joguei todas as etapas de um circuito nacional grande. No ano seguinte, venci e as coisas foram se encaminhando.
Izza – Qual é a sua característica como tenista?
Gisele – Cada um tem uma técnica de jogo. Alguns ficam mais no fundo da quadra esperando o erro do adversário. Os golpes são muito complexos, com muito efeito. Estou sempre fervendo, se eu pudesse, quebrava a raquete a cada game. Sou mais agressiva, não tenho muita paciência de ficar 5, 10 minutos trocando bola, eu já parto direto para tudo ou nada.
Izza – Quais foram as grandes competições nas quais você participou?
Gisele – Fui campeã paranaense, campeã brasileira, campeã sul-americana e campeã pan-americana. E a minha grande esperança são as Olimpíadas de 92.
Izza – O que o tênis exige de você?
Gisele – Exige tudo. Preparo físico, mental e muita técnica.
Izza – Para você entrar numa quadra, qual seria o primeiro passo?
Gisele – Para você ter uma ideia, eu estou me preparando desde o dia 25 de dezembro para jogar no dia 12 de março, nos Estados Unidos. Comecei a correr diariamente. Inicialmente 15 minutos, fui amentando o tempo e agora corro duas horas por dia. Depois, treino mais duas horas e meia. Meu técnico é o Ricardo Coelho, que cuida da parte física, técnica, etc. Faço muito jogo, são cinco horas de treino por dia. Já acostumei; faz parte do meu dia.
Izza – Como surgem os convites para competições?
Gisele – Existe uma Associação das Tenistas Profissionais. Conforme vamos desempenhando nos torneios, marcamos pontos no ranking. Fazemos a inscrição, recebemos os papéis, escolhemos os torneios que nos interessem, mandamos a inscrição e, dependendo do ranking de quem vai, aceitamos ou não.
lzza – Os patrocínios como é que ficam?
Gisele – Devido a situação atual e aos preços vigentes, este ano o patrocínio está deficitário. Acho até que terei que desembolsar uma parcela relativamente grande. Tenho algumas propostas que estou aguardando; A Braswey, exportadora, me dá duas passagens cada vez que eu preciso viajar; a Klabin me dá uma quantia por mês que me possibilita pagar os treinos, etc. São dois patrocínios muito bons, porém eu precisaria de mais alguns porque as viagens freqüentes são extremamente dispendiosas.
lzza – Os prêmios para os vencedores são compensadores?
Gisele – Já participei de um torneio cujo prêmio para os vencedores era de cento e cinqüenta mil dólares. Lá no exterior as coisas são diferentes. Aqui no Brasil nem existe torneio feminino. Há dois no final do ano, um em São Paulo e outro no Guarujá, mas os prêmios são bem menores. Já participei, mas estou pensando seriamente se voltarei a participar no próximo ano.
lzza – Você acha que no Brasil o incentivo ao esporte é grande?
Gisele – O incentivo sempre existe, mas a divulgação teria que ser maior. O apoio é que falta. Veja por exemplo, essa dificuldade para a liberação de meu técnico, sendo que eu vou representar o Brasil. Sinto que muitos procedimentos são dificultados. Tenho certeza que voltando de lá com uma premiação, com bons resultados, os patrocínios aparecem; o fato é que aí não é mais preciso. O importante é a fase anterior, é a hora de partir, de ir.
Izza – Quais são seus pensamentos antes de iniciar uma disputa?
Gisele – No vestiário me imagino entrando na quadra e tudo o que pode acontecer. Eu já tive diversas experiências, e no ano de 76 eu fui jogar em Wimbledon com o Junior e cheguei à semifinal. Quando entrei na quadra, me assustei com o número de pessoas que estavam assistindo, não consegui jogar nada. Este ano vou fazer uma mentalização, vou estar melhor preparada psicologicamente. O nervoso estraga a concentração. Agora mentalizo e imagino tudo o que pode acontecer e entro para ganhar. Quando venço é um alívio. Quando perco fico louca da vida.
Izza – Qual foi a adversária mais difícil que você enfrentou?
Gisele – O jogo que marcou foi o das Olimpíadas de Seul. Reconheço que o meu ranking estava um pouco baixo, 140 ou 150. Peguei na primeira rodada a nº 13 no Canadense. Numa diferença incrível de ranking, ninguém acreditava que eu pudesse ganhar e eu venci. Era uma das melhores. Helen Kelezy. A matéria foi publicada até nos jornais do Canadá em manchete e fiquei muito feliz. As adversárias mais difíceis de jogar realmente são as russas, pois jogam sem emoção. Nunca consegui vencê-las.
lzza – Como é o teu dia a dia lá no exterior?
Gisele – Lá fora é uma correria. O clima é diferente. Acordo bem cedo, treino, fico pensando no jogo. De repente, a minha vida não é só minha, tem um monte de gente querendo saber o que eu faço e o que eu não faço. Aquela multidão me assistindo … É muita responsabilidade. Saio da quadra e já estou pensando em outro jogo. Faço um passeio para espairecer um pouco. É uma vida diferente, bem corrida. Às vezes não tenho nada programado e de repente eu estou numa cidade, perco e vou para outra. No Japão eu estava sozinha, aprendi a me virar, andar de metrô, me deslocar com facilidade. Liguei para a minha mãe do aeroporto do Tóquio dizendo que estava indo para a Rússia sem visto. Fui com amigas minhas da equipe russa. Foi ótimo.
lzza – Quais são teus planos futuros?
Gisele – A minha meta principal são as Olimpíadas de Barcelona. Nunca uma brasileira conseguiu uma medalha olímpica, nem de ouro, nem de prata, nem de bronze. O meu propósito em 1992 é trazer uma medalha, pois seria a primeira mulher brasileira e na história do Brasil a conseguir. Para mim é um desafio. Também em Wimbledon eu gostaria de vencer. Este Campeonato acontece todos os anos e eu sempre participo, desde 1985, mas é um torneio difícil. No dia 7 de maio estarei em Roma no Aberto da Itália. Estou bem confiante este ano, porque o meu preparo está super melhor. Tenho também um torneio, na Ásia.
lzza – Por que Wimbledon?
Gisele – Jogamos em Wimbledon, na grama. O jogo tem que ser bem mais rápido, o que exige muito preparo. Tenho que ir bem antes para treinar, porque aqui não existe nenhuma quadra de grama, nem nada parecido. Minha mãe sempre vai junto; é ótimo porque saímos, vamos a muitos musicais que adoro. Acontece na última semana de junho e primeira de julho.
lzza – Até que idade uma tenista consegue bom desempenho?
Gisele – Acho que até os 35 anos uma mulher consegue jogar bem. Depois não rende mais, o preparo físico diminui. A idade das vencedoras varia, a mais velha é a Martina com 33 anos.
lzza – E a griffe Gisele Miró?
Gisele – Comecei a montar uma fábrica. Vou começar com roupas de tênis bonitas, bem transadas. Acho que isso está faltando. Depois pretendo também passar para outros esportes. Aqui não existe material esportivo que seja bom e acessível. Como tenho experiência porque já fui patrocinada pelo Sérgio Tackini (italiano), tenho modelos de roupas lindíssimas que quero lançar no mercado. A abertura está prevista para março e minha irmã vai comigo para estar a frente quando eu tiver que me ausentar do Brasil.
lzza – O que você diria para as pessoas que estão começando no esporte?
Gisele – Na vida, o mais importante é termos uma meta. Não adianta começar, parar, desistir no primeiro obstáculo. A gente tem que se fixar num ponto e persegui-lo custe o que custar.