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“Pesquisas abrem novos horizontes” fala Iara Messias

Postado em

Curitiba, 13 de Janeiro de 1991

 

IARA MESSIAS; Cientista, professora da Universidade Federal do Paraná: Dedicada a área de Imunologia, já desenvolveu vários trabalhos no exterior sobre Imunologia e Imunopatologia. Fez doutorado na Alemanha e pós-doutorado nos Estados Unidos; mantém intercâmbio com o estrangeiro onde realiza anualmente trabalhos de colaboração. Jovem, apaixonada pelo que faz, Iara é destaque, por isso nos conta hoje um pouco de sua vida. Confiram.

 

Izza – Iara, como médica, em que área vem atuando?

Iara – Atualmente sou professora da Universidade Federal do Paraná. Dou aulas no Departamento de patologia médica, na graduação e pós-graduação e a minha atividade principal é de pesquisa (Investigação Científica) na área de Imunologia.

Izza  Como você atua dentro dessa área de Investigação Científica?

Iara – Eu oriento trabalhos que são desenvolvidos por estudantes, mestrandos,  e que são feitos no laboratório que eu montei às custas de doações de equipamentos importados da Alemanha.

Izza – Qual foi o teu objetivo ao montar um laboratório?

Iara – Decidi montá-lo porque antes não havia condições de desenvolvimento de projetos de pesquisa aqui na Universidade na área de imunologia principalmente no Hos~pital de Clínicas, porque só tem laboratórios que servem rotina, por isso, fazer pesquisa era muito difícil. Montar um laboratório foi um grande desafio para mim que me levou a lutar para elaborar um sistema para que hoje pudesse se desenvolver uma investigação.

lzza – A montagem do laboratório foi difícil?

Iara – Levou cinco anos para que tivesse uma boa infra-estrutura, e condições de trabalho. Com isso eu fiz alguns projetos e os enviei para uma instituição na Alemanha. Eles aprovaram e enviaram os equipamentos importados e com esse material tornou-se mais fácil a montagem do laboratório de investigação. Então, eu o mantenho as custas do CNPp, CONCITEL, que são órgãos do governo estadual e federal. Através do CNPq, mantemos bolsistas que desenvolvem projetos de pesquisa na categoria de Iniciação Científica de aperfeiçoamento.

lzza – Em que consiste exatamente o trabalho de Imunologia?

Iara – Na realidade este trabalho é para investigar certos mecanismos envolvidos em doenças, mecanismos imunológicos ou imunopatológicos que se relacionem com a doença, procurando desta forma elucidar os processos fisiopatológicos envolvidos em determinadas patologias. As doenças que nós estudamos ocorrem em caráter endêmico e por isso, tem no Brasil, cunho social importante. Buscamos novos horizontes para um melhor entendimento no mecanismo das doenças ainda não conhecidas. Você não sabe exatamente como uma doença ocorre, qual o mecanismo que o organismo emprega para se defender ou para se autoagredir. Existem muitas formas diferentes a nível imunológico e nós procuramos estudar determinados mecanismos envolvidos neste processo de defesa ou autoagressão. Este campo é vastíssimo e a maioria dos Prêmios Nobel de medicina tem saído para esta área de Imunologia. É um campo imenso, interessantíssimo e fascinante.

Izza – No Brasil existem muitos profissionais dedicadas a esta área?

Iara – Este campo está crescendo muito no Brasil. Eu sou da regional da Sociedade Brasileira de Imunologia aqui do Paraná e há um tempo atrás tínhamos em todo o Brasil, quinhentos associados. Hoje temos cerca de cinco mil. A área de atuação é ampla e o interesse está crescendo muito em todas as disciplinas possíveis.

lzza – Na Imunologia busca-se a cura?

Iara – O que buscamos entender é o mecanismo pelo qual a doença ocorre. Claro que isso será útil no tratamento e consequentemente para a cura da doença. Nós pesquisamos certos mecanismos que nos são possíveis estudar e dentro dos resultados que encontramos podemos obter informações importantes como relações essenciais que, ligadas a um melhor prognóstico na evolução da doença ou que possam ser um caráter de diagnóstico inclusive diferencial ou que podem ser utilizadas para monitorar uma terapia. Dizer que procuramos a cura exatamente seria muito compromisso de nossa parte.

lzza – Qual seria o maior responsável pelas doenças?

Iara – Sistema nervoso que controla todas as funções inclusive a função efetora do sistema imune. O stress emocional é um  imunossupressor de grandes potências. Debilita o sistema imunológico e você fica suscetível as doenças porque ele enfraquece o sistema imune como um todo, através de liberação de substâncias imunossupressoras. O stress emocional ou físico torna o indivíduo mais suscetível às doenças. Não esqueçamos aqui um fator importantíssimo que é a desnutrição.

Izza – O que te levou a optar por esta área?

Iara – Acho fascinante e sempre quis saber e descobrir coisas ainda não conhecidas. Vejo pessoas sofrendo de tantas doenças, é um fator que atinge toda a humanidade, por isso tento entender o que está acontecendo, com o objetivo de trazer benefícios para a comunidade científica e como um todo. Podemos beneficiar as pessoas através deste trabalho. Eu adoro investigação científica e não conseguiria fazer somente um trabalho de rotina. Aprecio surpresas diárias, a busca de novos horizontes. Eu sempre gostei de estudar bastante o que é essencial nesta área por evoluir constantemente temos que estar sempre reciclando nossos conhecimentos, porque novidades são frequentemente descobertas, as vezes até contraditórias ao que já existe.

lzza – A tua profissão interfere em tua vida pessoal?

Iara – Claro que alguns sacrifícios são necessários. Por exemplo, voltei da Alemanha há dois meses atrás de uma viagem a trabalho e quando cheguei tinha duas disciplinas no curso de mestrado para ministrar. Fiquei até o dia 21 dando aulas direto quando poderia estar de férias. Por outro lado o meu trabalho também me dá a oportunidade de viajar todos os anos para o exterior através de trabalhos que apresento em Congressos internacionais ou de trabalhos em colaboração com cientistas de universidades estrangeiras.

Izza – O que seriam estes projetos em colaboração?

Iara – Devido as nossas dificuldades econômicas e de importação, principalmente pela falta de recursos financeiros, fica às vezes inviável fazermos pesquisas, então o melhor acerto que fiz até hoje foi o de desenvolver projetos em colaboração com instituições estrangeiras. Faço aqui uma parte do trabalho, e a outra lá no exterior. Já fiz isso nos Estados Unidos e na Alemanha. Isso é bom para os dois lados, para nós e para a instituição estrangeira porque temos o material humano que é o material do doente que eles não tem, por isso para eles é interessante, pois estão sendo beneficiados. Nós ganhamos porque não teríamos condições financeiras para o desenvolvimento do projeto aqui. Eu colho o material do paciente e o estudo no exterior. Aí tenho condições de elaborar um bom trabalho de nível internacional.

Izza – Quer dizer que aqui no Brasil as dificuldades são grandes no tocante a pesquisas?

Iara – Tudo é muito limitado porque não há recursos para nada. O governo cortou muito as verbas para Ciência e Tecnologia. É muito pequena para a educação como um todo. Como faço parte da Universidade que está dentro deste contexto, é uma batalha para conseguir ajuda aqui e ali e isso é bastante desgastante. A procura de recursos materiais é cansativo porque aí falta tempo para você se dedicar à literatura, ler, estudar, escrever, que é o que o cientista brasileiro deveria fazer, mas o tempo torna-se curto porque ele tem que sair em busca de recursos financeiros. É terrível e é um trabalho que tem que ser feito para que as coisas não morram, haja visto que eu tive que montar todo um sistema para trabalhar quase sem nenhuma verba da Universidade.

Izza – Qual é o país que oferece mais condições de pesquisa?

Iara – Estados Unidos e Europa como um todo, menos o bloco oriental e Japão. A Alemanha é sensacional. É isso que faz um país se desenvolver porque as pesquisas abrem novos horizontes e novos conhecimentos. Por isso o Brasil está atrasado numa série de coisas. Não se pode gastar em pesquisas, aí não há desenvolvimento. Imagine, ter que estar constantemente brigando para poder investigar e trazer novidades para fazer com que o país pelo menos seja conhecido um pouquinho mais, isso chega às vezes a ser frustrante.

Izza – Qual foi o trabalho que mais te emocionou em termos de imunologia?

Iara – O que mais me gratifica é estudar a Pênfigo Faliácio Brasileiro ou Fogo Selvagem que é uma doença de auto-agressão muito rara em outros países e muito comum no Brasil. Ocorre em focos endêmicos. Eu fiz dois trabalhos que já foram publicados em Revistas Internacionais sobre esta doença que me deram grande prazer porque o seu mecanismo é interessante e ainda não se sabe nada a respeito. Nós possuímos amplo material tanto é que os americanos vêm até aqui para estudar esta doença. Estou montando um novo trabalho sobre isso. Outro ponto digno de ser lembrado, foi que quando fiz doutorado, escrevi sobre variantes genéticas diferentes de um sistema imunológico, o sistema complementa. Entrei na literatura como sendo a primeira que descreveu vários tipos genéticos de uma proteína circulante que faz parte deste sistema imunológico. De repente você vira referência na Literatura Internacional. Enfim todo o trabalho é compensador. Quando você termina, manda para publicação, é um compromisso.

Izza – Como fica a valorização do cientista no Brasil?

Iara – Muito pequena infelizmente. Nossa sociedade ainda não assimilou o seu valor, mas acho que isso vem com o tempo. Nossos cientistas são muito prejudicados, são sofredores idealistas e muitos já estão fora do Brasil. Eu, pessoalmente, tenho ofertas e já tive outras chances, mas sinto que não nasci por acaso aqui no Brasil. Tenho aquele lado mais afetivo de querer ficar e desenvolver este trabalho porque se ninguém ficar o trabalho nunca terá progressos. Se algum dia eu decidir ir, pelo menos já deixei alguma coisa montada. Em São Paulo e Rio temos grupos sensacionais de pesquisadores de nível internacional, mas no Paraná a coisa está engatinhando no campo de imunologia. Trabalhar como cientista aqui é idealismo. Um profissional mal pago não tem nem estímulo e tem que desenvolver outras atividades paralelas para poder sobreviver e com isso a nossa ciência fica prejudicada no Brasil.

Izza – Para finalizarmos, o que você pretende no futuro?

Iara – Eu voltei recentemente da Alemanha e uma volta é sempre um baque. As baterias de energia têm que ser carregadas para começarmos novamente. O meu objetivo agora é terminar uma série de trabalhos que estão em andamento e mandá-los para publicação. Aí pretendo elaborar novos projetos.

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