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“Cada intenção exige uma realização” fala Kazuco Akamine Ferraz

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Curitiba, 10 de Junho de 1990

 

KAZUCO AKAMINE FERRAZ; muita garra, bom gosto e criatividade, fazem dela constante destaque no campo da moda. Estilista conhecida e admirada, dia-a-dia conquista mais o seu espaço participando inclusive de feiras de moda no exterior, divulgando o Brasil lá fora. Esta é Kazuco, Sra. Maurício Ferraz.

 

lzza – Como você situa a moda em termos de Brasil?

Kazuco – Acho linda a nossa moda. Eu só gostaria que tivéssemos melhores preços e maior poder de competição. A mão-de-obra é boa, os nossos tecidos são ótimos, porém os nossos preços são demasiadamente altos o que nos impede de competir no exterior; lamento, porque vamos ficar restritos dentro destas fronteiras. Não sei explicar exatamente o que nos tira o poder de competição, não sei se é falta de eficácia desde a produção, do bicho-da-seda, do transporte, eu não saberia por onde começar. Te pergunto: se o brasileiro é mal pago, porque os produtos são caros? Isso me intriga: vários impostos em várias etapas da produção. Nós teríamos condição de competir lá fora, mas infelizmente não podemos. A roupa brasileira é muito apreciada, principalmente no Japão, e me contaram que os americanos estão agora invadindo o Japão com o vestuário. Infelizmente não podemos competir com a Indonésia e com os Estados Unidos.

Só Tóquio teria a capacidade de comprar o que todo o Brasil compra. Temos que rever alguns pontos, mudar para que não permaneçamos neste passo sempre. Quando mando minhas roupas para Nova Iorque ou Canadá, Inglaterra, Itália, Suíça, França, percebo que eles não acreditam que elas sejam feitas no Brasil. Ficam impressionados com o nosso trabalho. Todos os anos fiz a coleção da Embaixatriz Carbonara. Suas roupas eram apresentadas em todos os locais. Lá fora também, ficam impressionados com os vestidos de noiva, pela qualidade e pelos bordados. Reconheço também que a mão-de-obra aqui em Curitiba é excelente. Em São Paulo e Rio eles se preocupam mais com o dinheiro, com cifras. Nós temos outro tipo de mentalidade. No ano passado mandei algumas roupas para a Feira Internacional de Osaka e este ano me convidaram novamente para participar. Ficaram deslumbrados com o nosso designer.

Izza – Qual seria o melhor estilo de roupa para exportar?

Kazuco – Afinal a gente não sabe, porque o mundo inteiro compra. De repente é aquilo que você tiver sorte de fechar negócio.

Izza – Pessoalmente, o que você prefere fazer?

Kazuco – Eu me envolvo muito com o que me proponho a fazer. Só não gosto de coisas simples. O complicado pode dar muito trabalho, bastante cansaço, mas como tenho disposição e paciência, aprecio. Ainda mais se o resultado for bom.

Izza – Aqui no Brasil a inspiração vem de Paris ou mais da Itália?

Kazuco – Fazemos uma mistura. Acho que estamos fazendo como os japoneses, copiar para criar e criar para competir (ainda não estamos com essa garra de competir). Sei que algumas pessoas vão ficar zangadas quando digo que copiamos. Compramos todos os figurinos que eles lançam, filmes, etc., então dizer que nós estamos criando a nossa própria moda, não é bem verdade. Ela está universal, não existe uma moda regional. E depois, dentro da indústria da comunicação e das viagens mais rápidas, as roupas são as mesmas com pequenas diferenças. Você é uma mulher vestindo seda amassada lá fora e também aqui.

Izza – E as homenagens que você tem recebido?

Kazuco – Sou um pouco tímida para isso, sou virginiana de 2 de setembro. Sou modesta e agradeço por ser reconhecida por meu trabalho, mas tudo é tão passageiro e efêmero que não dá para deslumbrar. Trabalho com o pé no chão e acho que este fato aumenta a minha responsabilidade. O trabalho é sempre difícil com lances gratificantes e lances penosos, coisas que temos que contornar e administrar muito bem.

lzza – O que é gratificante?

Kazuco – E ter uma família unida, com a mesma meta, como a minha. Tenho a minha filha a meu lado, o meu ma-rido que me apóia 46 horas por dia, minha mãe, meu filho. Reconheço que sou uma pessoa privilegiada porque todos compartilham do meu trabalho. 

lzza – Qual foi sua maior realização até hoje?

Kazuco – Não sei te responder porque acho que a cada período nos realizamos de alguma forma. Pode ser que a minha grande realização do mês passado não seja a mesma do mês que vem. Em cada etapa da vida temos uma meta e cada intenção exige uma realização. Você já pensou se eu tivesse tido uma grande realização e tivesse parado nela? Sempre estou em busca de novas, o que já realizei faz parte do passado.

lzza – Você começaria tudo de novo agora?

Kazuco – Acho que sempre é tempo de começar em algum setor e atualmente todas as áreas estão difíceis. Sonhar muito não é bom. Muitas pessoas querem montar um negócio e enriquecer em três ou quatro anos. Isso não é possível, a não ser que o capital seja muito grande. Os que pensam que iniciam um novo negócio e saem voando, tem muito sonho e pouco profissionalismo. Para pessoas que adotam esse tipo de atitude, os lugares estão cada vez mais restritos. Estamos num momento de maturidade da sociedade. O tempo do oba-oba já passou, a garra é imprescindível, pois mesmo um pouquinho de sucesso exige suor. Concordo nisso com Roberto Carlos: 5% de inspiração e 95% de transpiração, é por aí.

Izza – Como você passou a conviver com a moda?

Kazuco – Meu primeiro convívio com a moda foi aos treze anos quando fui internada num colégio japonês no estado de São Paulo, era um colégio para nisseis. Foi lá que eu aprendi a técnica, pois fazíamos tudo em miniatura. Os professores se admiravam com a minha criatividade. Eu não aceitava muito o que eles me colocavam; como era jovem, depois me afastei da costura e posteriormente, no Rio de Janeiro, eu trabalhei de outra forma mais simples. A Sra. Evani Swiver, na época presidente da Associação de Defesa contra a Lepra do Brasil atendia os filhos sadios de leprosos e fundou 24 educandários desde o Amazonas até o Rio Grande do Sul. Um dia ela apareceu na televisão pedindo voluntários e eu apareci.

Era uma figura simpática de cabelos brancos, uma criatura maravilhosa. De repente assumi o comando, a responsabilidade pela produção e estocávamos roupas. Como eu não podia admitir que as crianças de orfanato tivessem aquelas roupas quadradas, sem criatividade, comecei a inovar, deixava o xadrez diagonal, colocava botões, enfeites. Tive esta experiência maravilhosa, mas passou. Mudei para Curitiba, me dediquei ao voluntariado aqui no Paraná, e mais tarde quando eu precisava me divorciar, achei que seria necessário procurar uma atividade que me trouxesse retorno econômico. Parti para a costura. Comecei a pesquisar, ler livros que diziam como organizar uma empresa, gerenciar, delegar funções. Fui procurando conhecer, montei uma pequena empresa e aqui estamos.

Izza – Quando você começou sentiu a receptividade imediata das pessoas?

Kazuco – Sim e pensei em deixar as roupas prontas em nossa loja que na época era na Vicente Machado; mas as pessoas não queriam as roupas prontas e sim exclusividade. O público me obrigou a trabalhar com estas exclusividades durante todos esses anos. Então partimos para a roupa de festa, noivas, debutantes, madrinhas, sempre dirigidas a ocasiões especiais. Criamos a Kazuco prét-a¬porter que é a roupa de festa pronta. Agora partimos também para a Kazuco moda dia-a-dia que ficou mais abrangente. Estamos atuando nestas três áreas, minha filha já está trabalhando comigo. Inclusive ela está em Paris, pesquisando moda.

lzza – Por que é tão difícil encontrar vestidos de festa prontos, em Curitiba?

Kazuco – O vestido de festa pronto é difícil em qualquer lugar, não só em Curitiba. A moda mais arrojada é mais difícil ainda porque a clientela maior, principalmente aqui no Sul, é de pessoas mais comportadas, mais clássicas. As arrojadas são minorias. A sociedade de Curitiba é mais fechada do que nos outros centros.

lzza – Atualmente as mulheres fazem questão de exclusividade?

Kazuco – Já se importaram mais. Acho que pela loucura do tempo e também pelos preços, porque a mão-de-obra está ficando cada vez mais cara, as obrigações sociais mais pesadas para o empresário. Um modelo exclusivo precisa de muito tempo para a produção porque a funcionária nunca aprende a problemática sempre nova, tecido, modelagem, corpo novo, tudo é diferente. Existe agora o prét-a-porter, a moda pronta com uma tiragem bem pequena que oferece à clientela uma garantia, ela não corre riscos de repetição, então elas optam por esta moda. Quem quer exclusividade tem que dispor de dinheiro. Hoje as.pessoas estão repetindo mais as roupas, sabe por quê? Conhecem de longe a qualidade.

Você se lembra como antigamente corriam para as costureiras de bairro todas as sextas-feiras querendo uma roupa nova? Aquelas roupas não eram bem executadas, o corte não era limpo, o acabamento não era perfeito, a gente percebia logo que a costureira não tinha experiência. Hoje também percebemos imediatamente porque a indústria tem bons maquinários, boa mão-de¬obra e esta repetição faz com que essas pessoas se aperfeiçoem. Nós já estamos acostumados com a qualidade, já percebemos mais facilmente o que é bom. Uma roupa de linha pode ser usada várias vezes, só mudando os acessórios, porque o talhe é bom, a costura é perfeita, o tecido é nobre, etc.

lzza – Em que você se baseia para criar uma roupa?

Kazuco – Eu preciso conversar com a pessoa, perceber o seu perfil psicológico. Produzir roupa para uma manequim é diferente e independe de consulta, mas para fazer um traje especial para determinada pessoa preciso de estudo. Roupa é um negócio muito sério, não é uma futilidade que se deve fazer levianamente; é muito importante para a pessoa que às vezes sonha em aparecer linda em determinada ocasião. Quem não tem o direito de ter um dia de Hollywood em sua vida? A sociedade está muito permissiva, mas nós estamos super exigentes.

Izza – O que é a moda?

Kazuco – Uma coisa espetacular. Eu sempre digo: o que seria do mundo se não existissem esses artistas que fazem a estamparia, que combinam as cores, os que misturam os fios, enfim, os artistas de todas as áreas. A moda é fascinante. Reflexo da sociedade.

lzza  Vestir-se bem é uma questão de cultura?

Kazuco – Claro. Quem não tiver cultura não tem condições de vestir-se bem nem de fazer uma boa escolha, pois não saberá distinguir um material sintético de uma seda pura, nem um ombro caído de uma manga bem colocada.

 

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