Curitiba, 2 de Dezembro de 1990
ALZELI BASSETTI; Mulher dinâmica, super atuante. Adora política e teve participação ativa nas Diretas-Já. Membro da Academia de Letras do Paraná, poetisa, contista, trovadora e escritora, já foi premiada inúmeras vezes pela sua incrível capacidade intelectual. Alzeli é mãe de quatro filhas e é esposa do dr. Régenis B. Prochmann.
PESSOALMENTE
Signo: Virgem;
Admiração: meu pai Altevir Bassetti, um homem íntegro;
Política: o âmbito mais alto para resolver problemas e não para vingá-los.
Elegância: um acordo entre a essência e a forma.
Ideal: colaborar para o bem comum no Plano de Deus.
lzza – Conte-nos quais são as tuas atividades atuais?
Alzeli – Sou mãe, esposa e filha. Milito politicamente e frequento também o Centro de Letras do Paraná. Faço tradução como autônoma e trabalho como tradutora no jornal lnd. & Comércio.
lzza – Como é a tua participação no Centro de Letras do Paraná?
Alzeli – É um ambiente cultural excelente, uma convivência fraternal talvez até divergente no tocante ao pensamento político porém convergente na seriedade e caráter. Eu diria até que falta um pouco de componente presente no Centro de Letras, no âmbito da política: O Centro é uma prova de que é possível a coexistência da cultura e do político numa convivência salutar, em que se trocam experiências. As pessoas vão com o espírito de aprender, de colaborar para o bem comum. Realmente é uma experiência gratificante. Há quem tenha uma noção que estas entidades sejam estáticas, paradas, mais comemorativas do que outra coisa e o Centro de Letras é ativo, permanente, dinâmico, atualizado. Entrar lá foi uma das maiores surpresas e gratificações de minha vida.
lzza – Você escreve muito bem e inclusive é colaboradora deste caderno. Este dom de escrever surgiu desde pequena?
Alzeli – Em minha casa sempre houve esta preocupação; meu pai era poeta, médico e professor inclusive com livros publicados, Altevir Bassetti. Minha mãe também fazia suas poesias, mas não as publicava. Era importante em casa que falássemos bem o português e que estudássemos permanentemente bem a evolução do idioma, como uma forma até de preservar a pureza da língua. Acredito que também haja um componente do ambiente democrático que tínhamos em casa; onde todos tinham vez de falar, de justificar e argumentar. Provavelmente este raciocínio venha de tudo isso, uma somatória. No primário tive professores de português excelentes, como Terezinha Ribeiro e o Miguel Fuck. Na faculdade, o Mansur Guérios e o Eurico Bach. Depois de adulta, continuei me desenvolvendo, nunca me distanciando da evolução do idioma. Desde os meus primeiros anos eu leio e agora continuo passando madrugadas lendo e aprendendo. Uma prova disso é que tirei Letras, me especializei em inglês, francês, alemão e italiano e mais dois anos de latim suplementar. Fiz estes cursos com um prazer enorme, conhecendo a literatura, história dos respectivos países e povos, e depois me aprofundei no português fazendo cursos de reciclagem. Lá em casa nos preocupamos com o idioma pátrio e esta preocupação inclusive exige vigilância maior, devido à invasão cultural estrangeira que vem acontecendo há tempo.
Izza – Você é participante dos movimentos femininos. O que acha dos movimentos feministas?
Alzeli – O movimento “feminista” foi uma primeira etapa, uma alcunha dada à primeira fase do acordar da muher. Ela despertou e viu a imensidão da alienação, da opressão, da manipulação da qual ela estava sendo alvo e tinha que recorrer a uma estratégia de impacto. Senão ela não seria ouvida mais uma vez; então surgiu o movimento feminista que está vinculado a uma imagem de mulher rejeitando o próprio vestuário feminino, ou chocando. Mas aquilo foi um recurso, uma estratégia circunstancial. Era preciso o impacto, quase compatível com a situação de alienação, de opressão e manipulação da qual ela estava sendo alvo. Esta primeira estratégia foi muito deturpada e mal compreendida pelos homens e pelas mulheres. Hoje talvez já esteja havendo uma compreensão maior, porque já houve uma evolução muito grande. Estamos nu¬ma terceira etapa do movimento feminista. Aquela estra¬tégia foi feminista. Hoje não se vê mais isso, já se discute outro tipo de problema da mulher. Houve o avanço e foi grande. Porém, ainda há muito por conquistar.
Izza – Você acha que hoje há uma conscientização da condição feminina?
Alzeli – Eu vejo com grande satisfação que houve uma conscientização. É lógico que temos metas grandes e muito importantes a serem alcançadas. Mas se no dia a dia cada mulher tiver absorvido a importância desta conscientização e se ela perceber o quanto é um soldado da condição feminina, o avanço será mais rápido e ágil do que foi a opressão, obviamente.
lzza – Em tuas diversas atividades você conta com o apoio da família?
Alzeli – Tenho quatro filhas mulheres, batalhadoras que estão construindo a sua história e é com grande felicidade que eu vejo isso. Elas só tem me dado alegrias e cumprindo com o papel dos filhos, que é atualizar e reciclar os próprios pais. Tenho aprendido muito com minhas filhas: Valéria, jornalista que está fazendo o curso de pós-graduação em publicidade e marketing, e já abriu um escritório de comunicação. A Vanessa já está no quinto ano de Medicina. Valkiria está no terceiro de Direito, estagiando e a caçula Viviane que agora está estudando Medicina também. Todas participam ativamente, no momento, da campanha política, todas discutem a sua construção enquanto mulher, profissional e economicamente. Isso é muito bom. São sintomas de que valeu a pena.
Izza – Como elas encaram a tua atividade?
Alzeli – Sempre tive por parte das meninas e de minha mãe a maior colaboração, mesmo quando eu tinha ou tenho que viajar. Na participação das diretas foram muitos comícios seguidos pelo interior do Paraná e região metropolitana que me obrigavam a ficar fora de casa etc. e elas participavam com entusiasmo. Elas sempre estiveram a par de tudo. Encontrei estímulo e compreensão em todas as horas. Isso me deu força, novo vigor, porque quando se está na política vai se com ideal, e muitas vezes deparase com a realidade. Não podemos abrir mão de todo um ideal, mas também não podemos desconsiderar a realidade. Este apoio familiar ameniza as derrotas, as frustrações e dava novo ânimo para que a luta continuasse.
Izza – O que você esta pretendendo fazer agora?
Alzeli – Eu tenho planos e te pergunto: o que seria de nós sem planos? Eu ainda estou tirando o curso da PUC de Ciências Religiosas. Achei que era chegada a hora de reciclar a fé, motivada principalmente pela atual manipulação do Sagrado. Uma sedimentação maior da fé, como conhecer inclusive a fundo a teologia da libertação, que faz uma conotação política, numa leitura global da história de todas as religiões. Não apenas da religião católica apostólica romana, à qual pertenço, mas também de todas as religiões, desde os primeiros tempos até os dias de hoje. É um curso interessantíssimo que me abriu uma visão mais ampla, inclusive no campo filosófico, psicológico, e na prática pastoral. Eu pretendo concluir este curso.
lzza – E como ficam os teus livros e as tuas poesias?
Alzeli – Pretendo publicar meus livros, porque nas horas vagas sempre fiz poesia. Tenho um de Sonetos que é a minha vida contada em versos e é muito importante para mim, que consiga publicá-lo. Tenho também um de crônica pronto e algumas monografias. Quero viajar, porque acho que a viagem é o melhor ensino que existe, nestes anos todos não tive oportunidade de conhecer países e povos que desejo conhecer in loco. Pretendo também fazer pesquisas sobre a mulher paranaense. Chego lá.
lzza – Eu soube que você é muito premiada, como foi?
Alzeli – Já fui premiada em Brasília, com meu primeiro conto. Recebi o 1º prêmio em Concurso Nacional, da Bloch Editores, com a monografia sobre a Mulher. Em Valores Literários do Brasil, há poesias minhas. O segundo prêmio veio de três poesias que compõem hoje duas antologias brasileiras. Recebi uma Medalha de Ouro Jornalista Victor de Almeida, também em Brasília, com poesia. Agora também fui premiada aqui, no Concurso Helena Kolody, promovido pela Secretaria da Cultura. O livro “Os Poetas” mostra todos os premiados. Inclusive eu gostaria de frisar que a gestão do Renê Dotti tem continuado as excelentes gestões dos últimos anos. Muito preocupado com a cultura em todos os âmbitos, não apenas num aspecto mas em todos os âmbitos, ele está plantando sementes que cabem ao futuro governante e ao futuro responsável pela Secretaria de Cultura, levar adiante, regar esta semeadura. Ele une um conhecimento profundíssimo não só das próprias ciências jurídicas, como também da política e do próprio ser humano, além de ser uma modéstia muito grande.
lzza – E sobre o prêmio que você recebeu no Rio de Janeiro?
Alzeli – Foi um Concurso Nacional promovido pela Bloch Editores, uma monografia sobre a mulher brasileira atual. Era a importância que o carro desempenhava para a mulher de hoje. Eu vinha de uma experiência em que o meu carro tinha uma significativa participação em toda a minha luta pelas Diretas Já. Com ele, eu havia ido para todo o interior do Paraná, nos municípios etc. O carro não seria apenas um instrumento indispensável para o trabalho da mulher, ele representa também um veículo de propagação das idéias dela. Esta dimensão mais ampla do que representa o carro foi analisada nesta minha monografia e eu vinculei com toda a história da mulher, acrescentando um conteúdo político. Foi unanimidade de quatorze jurados entre cinco mil participantes brasileiros. O prêmio era um Fiat Uno e eu, como feliz ganhadora, trouxe o 1º lugar para o Paraná.
lzza- Como é a tua participação em movimentos femininos?
Alzeli – Eu vejo a mulher hoje em igualdade com o homem. ela é felizmente uma parte produtiva da nação. Tão logo nós participamos da campanha do 1º governo Richa fizemos uma ampla mobilização das mulheres do Paraná. Foi uma convocação, porque elas tinham muito a ver com a ruptura daquele estado de coisas. Vivia-se no regime da ditadura. Esta convicção teve uma resposta espetacular. Depois, um grupo de mulheres que tinha responsabilidade sobre aquela mobilização, se empenhou para que ela não se diluísse. Era hora, pensamos, de fazer a mulher paranaense assumir o seu lado político. Fundamos então o Departamento Feminino do PMDB que existia nos estatutos, mas não existia de fato. Nos reunimos para fazer um documento proposta, que seria entregue ao governador, retratando todas as reivindicações da mulher, as expectativas que esperávamos fossem cumpridas. Tivemos muito sucesso, porque estávamos realmente propondo algo que a mulher paranaense já merecia. À nível interno do partido, nós organizamos o Departamento e promovemos, em época de ditadura, a primeira eleição direta com voto secreto em que participaram quinhentas mulheres da cidade e da periferia. Foi lindo. Eu tinha sido lançada por um grupo de mulheres então progressistas e havia outro grupo, liderado pela lvanise Santos. A nossa proposta foi acatada pela ampla maioria.
lzza – Qual foi o resultado deste movimento?
Alzeli – Houve a afirmação do Departamento Feminino com o destaque da comissão feminina, a elevação do meu nome e de uma outra companheira para o Diretório Regional, hoje infelizmente perdido; mais tarde, obtivemos através de um abaixo assinado, a legitimação de todo o partido com o meu nome sendo proposto e acatado para a Executiva Regional. Fui a primeira mulher a chegar a este posto no Paraná. Foi uma experiência pioneira. Participei de todas as reuniões e tive a oportunidade de colocar em nome das mulheres, uma proposta, entre várias, que foi aceita por unanimidade pelos membros da executiva. Eu propus que um ônibus, saindo da zonais, do Feminino e do Departamento Jovem acompanhasse o partido em cada comício. A presença de uma mulher da região em cada um destes comícios estaria garantida. Era uma forma de conseguir que lideranças femininas fluís¬sem. Em 24 comícios, uma eleição e/voto secreto, elegia a mulher que, à noite, ocuparia o palanque, legitimada pelas mulheres da região. Creio que foi o princípio desta bela presença feminina, com voz e ação no Estado.
lzza – Nesta ocasião como se manifestaram os machistas?
Alzeli – Eu tive a oportunidade de ver neste momento, maridos reagindo diante da eleição da esposa, ameaçando com a separação. Vi noivos desmanchando o noivado, vi filho impedindo a mãe de falarem como em Campo Largo. Constatei, em Cambé, a visão de um político, Luiz Carlos Hauly, o prefeito na época, que, já previamente avisado de nossa chegada, nos deixou dormindo na praça, dizendo que “não tinha nada com isso”. À noite, no comício, ele quis impedir que uma vereadora previamente eleita pelas lideranças falasse, alegando que era ele o “dono do comício”. Realmente ele tinha uma visão muito deturpada do que foi, naquele momento, o movimento das Diretas Já. Da parte de todos os outros prefeitos encontramos total colaboração, foram perfeitos anfitriões e tiveram uma colaboração muito grande em fazer com que as mulheres paranaenses, diretamente, participassem do maior e mais belo movimento de nossa história.
lzza – E em Brasília como se saíram as mulheres nas Diretas Já?
Alzeli – Na ida a Brasília fizemos um comício em pleno voo, com a Betty Mendes como nossa representante. Quando lá chegamos, também foi emocionante, cinco mil mulheres em pé, de mãos dadas para o alto, gritando democracia e Diretas Já. Testemunhamos pessoalmente quando foram baixadas as medidas de emergência: o Congresso todo ficou traumatizado com aquilo. Vimos na catedral de Brasília, mais tarde um soldado com baioneta calada, junto com o rito. Foram imagens de grande alegria e grande tristeza também, que somadas, representam uma participação muito grande num momento político grandioso.
Izza – Todo este movimento foi gratificante?
Alzeli – Deixei estas sementes e lamentavelmente elas não tiveram o prosseguimento que mereciam. O Conselho Estadual da Mulher não correspondeu, nem o Departamento Feminino do PMDB prosseguiu com a tarefa de abrir novas lideranças femininas para o Paraná, no âmbito da política. Nossa representatividade ainda não corresponde com a participação da mulher, que já é força produtiva de respeito, respeitada como profissional. Politicamente há muito por fazer. É uma meta que vamos ter que alcançar.
lzza – Porque o Conselho não deu prosseguimento ao teu trabalho?
Alzeli – O Conselho Estadual da Mulher pecou em vários aspectos fundamentais: primeiro, ele é um órgão representativo da mulher junto ao poder. Ele não pode ser poder, porque então ele se descaracteriza, pois a mulher não é poder e ele não pode deixar de representar as mulheres. Teria que ter uma certa autonomia e independência não se emasculando também. Não sendo autoritário, personalista, centralizador. Ele é um órgão político feminino, representante das mulheres junto ao poder. Temos que ouvir novamente a mulher paranaense, ele é que vai nos dar através de pesquisas de dados atuais, o que pensa. O Conselho oprimiu, manipulou e soterrou os movimentos de mulheres que lhe deveriam ser a força motriz.
lzza – Para finalizarmos, resgatar este Conselho não seria difícil?
Alzeli – Bastante, mas a mulher não foge da luta. Como está, não pode ficar, temos que atualizá-lo, desgarrá-lo do poder. A mulher não é objeto de manipulação de poder algum e não pode mais especificamente fazer de outras mulheres, objetos de manipulação. A razão de ser do Conselho foi essa. Ele atualmente se desvinculou desta proposta e desta tarefa. Temos que dar-lhe um perfil feminino, novamente.