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“ Cenas de Curitiba ” descreve Guilherme Moreira Rodrigues

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Curitiba, 29 de junho de 2018

 

Cenas de Curitiba.

A chegada do trem a Curitiba, em 1885, mudou tudo. A cidade nascera no século XVII, de um arraial de faiscadores de ouro às margens do rio Atuba.  Logo a seguir transferido para o magnífico platô da praça Tiradentes, rodeado pelas águas dos rios Belém e Ivo. Milagre da Santa padroeira, recomendação do cacique Tindiquera? Curitiba enraizou-se. O ouro era pouco e acabou logo. Sustentou-se da agropecuária de subsistência e das tropas que subiam do Sul em demanda dos ricos mercados de Campinas e Sorocaba.

Séculos de uma vida bucólica e pobre, isolada do mundo. Em 1872, ainda persistam as feições antigas, de casario branco, baixo e modesto. Na descrição de Big Whiter, quase um aglomerado de tendas e cabanas, formando o campo de um exército na expectativa de receber ordens e partir para outro local”. Eram cerca de 9.500 habitantes, dos quais 1.500 imigrantes, especialmente alemães e franceses. Muito pouco.

Pois bem, a inauguração da estrada de ferro comandou uma transformação explosiva. Floresceu um casario avantajado, de feições europeias – até hoje muitos dos prédios daquela época formam a paisagem urbana central. A Catedral, reconstrução da antiga e arruinada Igreja Matriz, foi levantada.  Comércio afluente, iluminação pública, urbanização, imprensa, escolas, clubes, automóveis, ordens religiosas.  Quase uma vertigem. A Universidade do Paraná, fundada decorridos escassos 30 anos da chegada do trem. Mudança tão veloz e radical, que faz todo sentido fixar dois períodos de existência muito distintos: antes e depois da estrada de ferro. Com a chegada do trem, Curitiba passou a ser uma cidade.

É dessa cidade que temos memória. Do velho povoado agropastoril nada sobrou. Apenas um último testemunho das feições do antigo vilarejo, a Casa Romário Martins e a Igreja da Ordem, ambas vizinhas.  As grandes vagas de imigrantes fundiram-se rapidamente com os habitantes locais. A população subiu assustadoramente. Chegou a 2 milhões no começo do século XXI. Edifícios cresceram em tamanho e número, muitas indústrias afluíram aos arredores. Mais os progressos tecnológicos universais: automóveis, eletricidade, aviões, telefonia, rádio e televisão, computadores e internet. Depois da estrada de ferro, é outra Curitiba – aquela que conhecemos.

Os rios e riachos estão todos mortos, vítimas de devastadora poluição. Os que se atrevem a cortar o centro da urbe, correm aprisionados em galerias subterrâneas. Curitiba virou um turbilhão de crescimento e transformação. Ventos do progresso, dizem muitos – chegados com o trem. Oxalá continuem soprando e algum dia, como o Tâmisa de Londres, os rios da cidade sejam limpos. Ou virá o aterrador quadro do Juízo Final de Curitiba, descrito pelo Vampiro?

Seja como for, o inverno continua a aparecer com seus dias úmidos de friagem penetrante, intercalados com outros de céu azul, seco, transparente e límpido. Ainda faz geada no planalto curitibano. Pinheiros … a emblemática araucária, outrora densa floresta no setor norte.  Afinal, Curitiba, terra dos pinheirais. Escassos sobreviventes ainda podem ser admirados na natureza e não só nas pinturas e fotos antigas. Terra de céu azul e paisagem verde suave, como nos quadros dos pintores acadêmicos. Ou cinza, chuvosa e garoenta, reclusa, misteriosa e “noir”, como nos contos do Dalton Trevisan. Um pouco diferente ainda na obra do Poty. Curitiba também tem grandes artistas.

Enquanto os ipês amarelos florescerem, anunciando a primavera no planalto e lembrando o ouro das origens – riqueza da terra prometida -, seja na praça Tiradentes ou nos seus arredores, Curitiba será Curitiba. Que o digam os curitibanos. 

 

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