Curitiba, 24 de junho de 1989
SUZY VELOSO QUEIROZ. Pianista, escritora, há muito convive com a Escola de Música e Belas Artes do Paraná, inovando e dedicando-se totalmente, agora como
diretora, à qualidade de ensino e ao perfeito andamento administrativo da Escola. Nesta entrevista, ela nos conta como desempenha a sua função e o que pretende. Esta é Suzy.
IZZA – Quando foi que você assumiu a Escola de Música e Belas Artes do Paraná?
SUZY – Em fevereiro de 1988. Com o decreto governamental, que previa a fusão das duas escolas, a FEMP e a EMBAP, houve uma eleição para que fosse escolhida a representante, que iria trabalhar na comissão, montagem da nova autarquia. Consequentemente quando assumi a direção,- entrei numa situação bem inusitada, porque nesta época não havia sido ainda definida a parte jurídica.
Eu participava da comissão que iria fazer este trabalho de incorporação, só que, no desenrolar dos trabalhos, verificamos mais ou menos depois de trinta dias, que se isso acontecesse de fato, a FEMP e a EMBAP seriam descaracterizadas em seus cursos.
IZZA – De que maneira aconteceria esta descaracterização?
SUZY – Por exemplo: nós tenhamos dois cursos em licenciatura em música e em desenho, que desapareceriam com a incorporação das duas escolas. Com a fusão, perderíamos as duas licenciaturas. Ambas seriam prejudicadas, tanto a FEMP como a EMBAP, por isso lutamos com todas as forças para que isso não ocorresse, e além disso, as duas comunidades manifestaram-se contrárias à incorporação.
Ai, começou todo um processo de pedido para que o governador revogasse a lei, no sentido de separação das duas escolas e atualmente está tramitando na Assembléia este pedido de revogação. As duas escolas têm muitos pontos diferentes e realmente não há justificativa para que funcionem juntas.
IZZA – E a situação atual da Escola de Música e Belas Artes?
SUZY – Com o que aconteceu, por esta indefinição jurídica, ficamos prejudicados, mas também a FEMP ficou afetada, porque éramos uma escola de administração direta e dependíamos em tudo do governo. Como este decreto estava indefinido; a situação jurídica encontramos dificuldades até no desenvolvimento financeiro e administrativo da escola.
Temos mil alunos e 88 professores, cinco cursos na área de graduação de terceiro grau, e mais três na área de preparatório e fundamental de música e canto. Estamos enfrentando dificuldades em termos e condições físicas porque, enquanto a escola não se definir pela fundação ou autarquia, o próprio governo não teria condições nem de nos dar um respaldo legal.
IZZA – Em termos de sobrevivência, o que está sendo feito?
SUZY – Estamos nos empenhando o máximo e o que temos conseguido, é até um milagre. Dispomos de pouco dinheiro e desta forma é difícil administrar, mas mesmo assim nada aconteceu que prejudicasse o ensino, muito pelo contrário. No ano passado tivemos um aluno que tirou o primeiro lugar no concurso mais importante do mundo, que é o Concurso de Genebra. Foi o 4° brasileiro a conseguir este prêmio.
Ele saiu do nosso curso fundamental de Oboé. Depois de Magdalena Tagliaferro. Nelson Freire e Jaques Klein, este aluno, Alexandre Klein conseguiu o primeiro lugar. Apesar de todas as nossas dificuldades, os alunos não foram prejudicados e os que saem da área de artes plásticas têm recebido prêmios em galerias e em bienais. O artista mostra mais uma vez que ele faz as coisas por amor à arte. Um ponto sério é o salário dos professores, porque alguns chegam a receber quarenta e um cruzados por mês. Por isso estamos lutando para que haja a revogação da lei o quanto antes possível.
IZZA – Então o primeiro passo seria esta definição?
SUZY – Em decorrência desta definição, nos teríamos o plano de carreira. Teremos um novo prédio, porque o Banestado está fazendo alguns contatos conosco para bancar a construção e a reforma do prédio que será aqui mesmo, onde nós estamos, preservando a primeira parte, o bloco B, e o miolo. A parte de madeira seria demolida e daria lugar a um prédio de doze andares.
Nós temos mais uma escola na rua Ébano Pereira, alugada onde funciona a parte do curso fundamental e preparatório de música com aproximadamente 500 alunos. Com esta construção tudo seria centralizado aqui. Não temos mais alunos por uma questão de espaço físico porque a demanda para o vestibular é fantástica.
IZZA – É grande o número de formados atuantes?
SUZY – Fizemos uma estatística e concluímos que desde que a escola existe todos os ano, se formam alunos que estão atuando seguidamente em artes plásticas e música, 85% que inclusive atuam em nível nacional. Oferecemos, inclusive, o melhor curso de canto do Paraná. Acabo de receber um telefonema de Brasília, de um professor da universidade de lá, que pretender dar aulas aqui, e recém contratamos a Neide Thomas, professora na área de canto, que brevemente estará atuando. Ela é conhecida internacionalmente.
IZZA – Quais seriam os cursos a nível de graduação existentes aqui?
SUZY – Cursos de instrumentos, que abrangem todos os existentes numa orquestra, teclado, sopro, corda percussão, etc. Temos o curso de canto, licenciatura em música, em desenho e o curso de pintura, e no próximo ano no outro regimento, vamos reativar cursos já autorizados pelo MEC, de gravura, composição e regência. Até convidamos o maestro Alceu Bochino para que nos ajude a remontar este curso.
Estamos também reativando a Orquestra de Câmara da escola que é um sonho nosso. Ela existiu em 75, por dois anos, e não foi estimulada a continuar. Queremos estruturá-la até em termos de remuneração simbólica. Isto é uma coisa regimental, está no regimento da escola que devem existir grupos e uma orquestra.
IZZA – Qual seria o curso mais procurado?
SUZY – O curso de música, na área preparatória é fundamental e maior, mas na área da graduação, o maior é o de artes plásticas, também porque as turmas são coletivas. Na música, as aulas são individuais. Como instrumento, o mais procurado é o piano e as cordas ultimamente estão tendo grande procura.
IZZA – Como você vê o incentivo ao artista atualmente?
SUZY – A nível nacional, o artista cresce no Brasil e se forma no exterior, nós temos tido isso como uma coisa muito comum na área de artes. Todos os alunos que fizeram carreira, realmente cresceram no Brasil, mas foram fazer sucesso até a nível de mercado de trabalho, no exterior, porque os nossos artistas que se formam aqui enfrentam uma concorrência enorme e o que incentivo é pequeno.
Temos visto que, na parte de esportes, o governo dá um grande incentivo: ao passo que na área musical e de artes plásticas, muito pouco. Isso desanima os artistas, mas a esperança de uma mudança de mentalidade os impulsiona aqui.
IZZA – Sendo uma escola do governo, o custo para os alunos é alto?
SUZY – Na questão de matrícula e pagamento, a escola cobra uma taxa simbólica, em torno de dez cruzados por semestre, e no terceiro grau o ensino é gratuito. Na minha gestão, estamos procurando trazer os alunos de formação na graduação, para uma experiência e vivência no mercado de trabalho. Implantamos o espaço nobre, nas atividades artísticas da área de música e de artes plásticas. Traduzindo: isto significa que, por exemplo, os alunos que mais se sobressaem na área de música, teriam como prêmio um recital semanal aqui na escola, com público, com tratamento de um profissional, com programa impresso etc.
Os alunos de artes plásticas têm espaço, a entrada da escola, onde eles podem expor os seus trabalhos podendo inclusive vender para o público, como se fosse um vernissage, porque futuramente quando ele terminarem o curso já terão vivenciado de perto este tipo de experiência. Isso não havia na escola, e fomos nós que implantamos agora. Não só estamos formando o aluno na questão acadêmica como o estamos formando para enfrentar o público em seu mercado de trabalho.
IZZA – Sendo este sistema inédito, foi bem aceito?
SUZY – A implantação não foi muito fácil, porque o próprio público não tinha o hábito de comparecer a uma galeria de uma escola e nem tampouco num espaço de um auditório, mas temos tido um bom público e estamos intensificando a divulgação neste sentido. As pessoas estão comparecendo e prestigiando a escola.
Naturalmente, que estes alunos que se apresentam têm todas as condições e nível para isso. A maioria dos professores também já são concertistas, o que é o caso da Leila Paiva, que está coordenando este espaço nobre das atividades artísticas na área da música.
IZZA – E sobre a formação da Orquestra de Câmara da escola?
SUZY – É muito importante para a escola. Vamos fazer este ano, para aqueles alunos que se sobressaíram na música, com notas mais altas. Além da plaquinha do 12 lugar, ele terá um solo com esta orquestra. Isto é fantástico porque assim ele sai da escola com uma vivência boa a nível de camerista.
IZZA – Há quantos anos você participa da Escola de Música e Belas Artes?
SUZY – Estou aqui há 25 anos, fora os nove anos que fiz anteriormente como aluna.
IZZA – Como anda o apoio do governo?
SUZY – Pela primeira vez na vida, estamos sentindo realmente o apoio do governo porque o dr. Paulo Pereira de Souza que é o secretário de Ciências e Tecnologia, da qual fazemos parte, é uma pessoa extremamente sensível às artes, e inclusive, toca piano.
Ele tem se preocupado muito com o destino da EMBAP, quando ele assumiu a secretaria, já pegou a escola com este problema do decreto-lei. Tem dado um grande apoio e temos certeza de que vamos conseguir tudo por essa enorme sensibilidade. É importante podermos contar com as pessoas certas nos lugares certos.
IZZA – Por que a escola tem sido pouco divulgada?
SUZY – Isto está acontecendo também. Eu sempre senti que a notificação que safa da escola, era muito tímida, pequena e somente entre aqueles que fazem parte do meio, pessoas do ramo: A nível do grande público era fraca, então eu pedi o apoio da Secretaria de Imprensa da Secretaria de Ciência e Tecnologia. Eles estão começando com este trabalho para que o público venha, participe, porque eu só entendo uma escola a nível de terceiro grau, quando ela cumpre a sua função social, provoca um elo entre a sociedade e suas próprias atividades artísticas.
Se ela ficar isolada, estática, eixa de cumprir o seu papel. Uma das linhas políticas que tenho em minha gestão, é justamente esta: que as pessoas tomem conhecimento que existe uma escola a serviço da comunidade, mesmo que não seja aquela comunidade interessada, específica do setor, mas que seja a comunidade como um todo, porque a arte deve chegar a todas as pessoas independente da classe ou segmento, financeiro e cultural. A escola deve permitir à comunidade, o acesso a seus trabalhos, senão ela não tem sentido. Nós conseguimos dez minutos na Rádio Estadual aos domingos, no Concerto Matinal para passarmos notícias dos acontecimentos da escola. Isso está sendo ótimo, mas atinge também só pessoas do ramo. Vamos continuar tentando maior divulgação e a colaboração da imprensa para que isso seja possível.
IZZA – Como vai a parte administrativa da escola?
SUZY – Eu implantei um sistema novo nesta parte administrativa. Nós estávamos enfrentando problemas muito sérios com falta de funcionários na secretaria da escola e chegamos a fechar duas vezes em dezesseis meses por falta de pessoas. Você sabe que a secreta- ria é a alma da escola, se ela não funciona, ou tem precariedade em seu funcionamento, nos estaríamos comprometendo até os diplomas dos alunos. Agora eu consegui a nomeação de dois funcionários e mais talvez um número de 8 ou 9, como prestação de serviços para que eu possa colocar em dia a secretaria.
Quando eu assumi, os problemas eram tão sérios que havia quase 300 diplomas parados no MEC, parados por falta de encaminhamento, porque o processo do diploma é muito complicado. Eles têm uma série de detalhes a serem vistos. Com isso o número e mandados, ações que advogados iam impetrar contra a escola foi crescendo e eu só consegui resolver na medida que consegui funcionários qualificados para este tipo de coisa. Este é um trabalho que não aparece, mas é fundamental para o andamento, importante para a credibilidade da própria escola, bem grave. Temos alunos reclamando de uma bateria de dezessete bujões de gás do Hotel Lancaster que estão dentro da escola.
IZZA – Por que estes bujões estariam dentro da escola?
SUZY – Isso é grave e os alunos estão sendo prejudicados com esse fato. Há um vazamento constante e os dezessete cilindros permanecem dentro do terreno da EMBAP, porque há cinco ou seis anos, o diretor que estava aqui na época deu autorização para que colocas- sem 4 cilindros de gás. Não sei porque, pois não existe nada documentado. De 4, aumentaram para 17 e, não conseguimos tirar porque não queremos usar um expediente incivilizado. Montamos um dossiê, que já está na justiça, e estamos tentando resolver de melhor maneira possível.
Os bujões estão encostados no muro da escola e este muro deve ter 4 ou 5 metros de altura, e consequentemente o vazamento se direciona para as salas de aula. Então, às vezes o professor e os alunos têm que interromper a aula com problemas de náuseas. Por enquanto não foi resolvido. Este caso vem acontecendo há muitos anos, desde 84 ou 85, e a diretoria desta época já havia mandado ofícios para a secretaria, mas eles ficavam parados não sabemos porquê. O pior é que, não estando o gás dentro do terreno deles, de repente a responsabilidade passa a ser nossa. E quando os cilindros são trocados, o cheiro e o vazamento é ainda muito pior, pois daqui do gabinete eu sinto o cheiro. Não dá para brincar com a saúde dos alunos a responsabilidade é muito grande.
IZZA – Vamos falar da Suzy!
SUZY – Estou há 25 anos aqui, sou professora de piano e editei dois livros com uma preocupação grande, quanto à didática pianística voltada à qualidade sonora. Eu vejo os alunos começando o estudo do piano, preocupados com técnica etc. Sempre digo que vemos muitos datilógrafos do piano, porém poucos músicos fazendo música. Acho que o aluno desde o início do aprendizado deve se preocupar com a qualidade sonora até dentro de uma escala, o som deve ser bonito para que o aluno futuramente quando vá executar uma obra, se preocupe com a beleza. Os meus livros são no sentido de orientá-los para que eles desenvolvam a sensibilidade auditiva de tal maneira que, mesmo tocando uma peça simples, ela tenha qualidade sonora.
Eu dei aulas na Universidade de Brasília, curso de extensão universitária justamente sobre a estética pianística e de nove anos para cá, tenho tocado bastante: já me apresentei em Brasília, Bolívia, Israel, Grécia e este ano toquei no espaço da Fábrica Essenfelder. Meu tempo é curto, mas para mim, a música não serve apenas como uma questão de ideal de uma professora, ela também tem o seu lado de apoio. Confesso que eu não conseguiria administrar a escola, neste lado burocrático, de papéis, e com todos os problemas que a escola tem, se eu não tivesse bem ativo o meu lado artístico, porque eu posso dizer com certeza, que consigo, atinjo um equilíbrio, auto-controle, satisfação e realização da minha função como diretora, quando estou estudando paralelamente piano. Os estudos da música serve também para isso, para que a pessoa realmente se encontre, porque a arte proporciona refinamento na questão de respeito ao próximo, faz com que o lado espiritual seja aguçado.
IZZA – Você acha que o artista nasce pronto?
SUZY – Acho que sim, ele escolhe uma linguagem, digamos assim, música, mas ele poderia ter escolhido poesia, artes plásticas fotografia, cinema ou outro ramo porque o artista é completo. Veja o Chico Buarque, ele pinta, faz escultura, escreve livros, poesias, música, então, este é um artista que teve condições de colocar todas as linguagens dentro de sua criação. Aqui na escola existem ainda alguns preconceitos ainda de professores da música e professores das artes plásticas que dizem: vocês da música, vocês das artes plásticas.
Eu estou sempre corrigindo isso porque assim como eu fui para a música. De repente, eu posso resolver com um comportamento muito além das pessoas normais, ele sempre está mais à frente em termos de captação da própria vida, humanidade, sociedade. Ele é aberto para tudo e tem potencial para desempenhar o que mais goste.