Curitiba, 24 de maio de 1989
VIRGÍNIA RYAN. Consulesa da Itália, pintora expressionista, está no Brasil há um ano e dois meses. Com sua simpatia, já conquistou muitos amigos e admiradores de sua arte, que confessa fazer parte de sua vida. Virgínia adora pintar, estar no Brasil, curtir seus dois filhos Chiara e Julian e acompanhar seu marido, o cônsul Giancarlo Izzo. Esta é Virginia.
IZZA – Quando vocês chegaram ao Brasil?
VIRGÍNIA – Há um ano e dois meses. Aprendi o português falando. Acho que é a única maneira. Eu não tenho paciência de aprender numa escola porque quando tenho que fazer alguma coisa, faço porque realmente preciso, assim sendo, na convivência tudo se torna mais fácil, e além disso o tempo é curto. Também procuro ajudar, lendo revistas como a Veja, jornais etc. E quando temos motivação é ainda melhor.
IZZA – Em sua posição de consulesa, a vida social é intensa. Isto a agrada?
VIRGÍNIA – Eu gosto demais. É um prazer cumprir os compromissos sociais mas é uma coisa que vem depois de meu trabalho, que é a pintura. Posso fazer tudo, contando com disciplina. Aqui no Brasil tenho sorte porque consigo, além de ter uma filha com cinco anos e um neném pequeno (tendo bastante ajuda), o que na Europa é praticamente impossível. Por isso posso trabalhar aqui no meu atelier, que é na casa, porém separado.
IZZA – Como é seu dia-a-dia?
VIRGÍNIA – Tento trabalhar diariamente das 8h 30min até às 14 horas, cinco dias por semana. Vou até às duas no máximo, porque é um trabalho que exige bastante energia. Depois disso, eu necessito também sair, falar, fazer minhas coisas, ficar com Chiara e Julian. Quando há disciplina, utilizamos bem o tempo. Olhando o resto do mundo, onde não existem mais pessoas que ajudem no lar, reconheço que eu não poderia ser mais feliz do que agora e acho que Curitiba, neste momento de minha vida, é o melhor lugar para se viver.
IZZA – E as mudanças são freqüentes, de um país para outro?
VIRGÍNIA – Eu encontrei Giancarlo na Austrália, depois moramos três anos no Egito e três anos em Roma. Depois viemos para cá. No Egito foi bom, mas havia o problema da língua e isto me fazia sentir bem estrangeira. Os egípcios sempre foram muito gentis para comigo. A experiência foi bem diferente daqui. No Brasil sinto mais afinidade no modo de vi- da que é muito parecido com a maneira de viver bastante descontraída da Austrália. Me sinto viva, participante, atuante. Todos os brasileiros deveriam sair do Brasil para entenderem a parte maravilhosa que eles têm aqui. Mas em geral passei tempos maravilhosos também em outros locais porque sempre me interesso, tenho curiosidade pelas pessoas, gosto de saber como vivem, e como são, costumes etc. Cheguei à conclusão de que, quanto mais os anos passam, mais interessante se torna a minha vida.
IZZA – Você se adaptou logo, a esta vida de mudanças?
VIRGÍNIA – Até agora sim, e penso que vou continuar, porque todos os momentos são interessantes. Existe a possibilidade de eu chegar a algum lugar que eu não goste mas é muito difícil porque não tenho este receio, me adapto com facilidade.
IZZA – E as mudanças da família na Austrália?
VIRGÍNIA – Minha família está tão longe, mas sei que se eles estivessem, por exemplo, na Argentina que é mais perto, eu teria ainda mais saudades, porque planejaria visitas mais freqüentes, ficaria esperando, pensando. Quando a gente está bem longe, sabemos que é inútil pensar em ir sempre visitá-los. Quando estamos juntos, cada minuto é importante, por isso acho até que o amor aumenta, mas eles sempre chegam para me visitar. Meus pais vêm para o final do ano.
IZZA – Agora vamos falar de sua arte. Há quantos anos você pinta?
VIRGÍNIA – Desde 1979. Foi a minha primeira exposição profissional e não parei mais. Fiz diversas coletivas, no Egito, Itália, Holanda, Alemanha, Estados Unidos e também em Curitiba na “Arte Mulher’’, no Teatro Guaíra este ano. As individuais, fiz também em Camberra e Sydney na Austrália, Alexandria e Cairo no Egito; em Verona, Arezzo e Roma, na Itália.
IZZA – O fato de você viajar bastante é positivo para a sua carreira?
VIRGÍNIA – O lado positivo é que, com o problema às vezes do idioma, a minha arte se torna mais forte, porque é a melhor forma de comunicar exatamente o que pretendo. Quando estamos nos comunicando em outra língua, às vezes não chegamos a transmitir a profundidade que queremos. Quem sabe daqui a quatro anos eu já fale o português perfeitamente. Por enquanto falo o necessário. A arte plástica é um idioma universal. Outro lado positivo é a oportunidade de apreciarmos outras culturas, o passado das civilizações. Bem, um dos lados negativos é o fato de algumas pessoas chegarem a pensar que pinto somente porque não sei o que fazer com o tempo, o que não é verdade. Sei o que acontece na cabeça de algumas pessoas, por isso sempre prefiro que primeiro vejam o meu trabalho, que é uma coisa muito séria
IZZA – E a sua individual?
VIRGÍNIA – Será no dia 31 de maio, na Sala Theodoro de Bona, anexa ao Museu de Arte Contemporânea. Decidi fazer a minha primeira individual aqui, para declarar o meu trabalho. Sempre fico um pouquinho tensa antes de uma exposição, mas isso é normal porque medo nunca tive. O medo é uma indulgência, perda de energia. Quanto ao gosto das pessoas deve ser respeitado, porém eu continuo porque sou segura, pois tenho dez anos de minha vida comprometidos com esta atividade. Algumas pessoas gostam muito e algumas não apreciam, mas realmente o que para mim parece pior é a indiferença. A neutralidade me deixa triste.
IZZA – Qual é o seu estilo?
VIRGÍNIA – Expressionismo. O meu trabalho é baseado no interior que eu quero exprimir. Não tenho interesse na linha acadêmica porque acho que para mim (isto é apenas uma opinião artística pessoal) porque, eu vou representar uma árvore que já existe. É linda, mas neste século também temos a fotografia que pode reproduzi-la com perfeição. O que eu gosto de fazer é a minha ideia pessoal de uma árvore, e não uma cópia
IZZA – E a inspiração, como é que você transa com ela, sendo o seu trabalho expressionista?
VIRGÍNIA – Se eu esperasse estar inspirada para trabalhar, pintaria bem menos, porque não são todos os dias que estamos inspirados. Eu me confronto com a tela branca e começo a dar continuidade, assim as idéias vêm surgindo. Quando chego às vezes não tenho a mínima ideia do que vou fazer. Sou muito realista e acredito na ideia do subconsciente coletivo. O trabalho é uma descoberta. De repente olhamos todas essas coisas que temos dentro de nós que não podemos verbalizar.
Se eu conseguisse, seria uma escritora O importante é dizermos a nós mesmos todos os dias “eu sou uma artista e vou trabalhar”. Se eu planejar, fazer um projeto e de- pois transferir na tela, já sei que partindo da sugestão dos primeiros gestos, tudo sai diferente. Trabalhar é uma conversação com a tela e me sinto feliz quando olho um trabalho de dez anos atrás e me vejo nele, porque não mudei neste tempo. Claro que agora desenvolvi mais, tenho mais maturidade, mas quando o trabalho é honesto somos sempre as mesmas pessoas, temos uma linha.
IZZA – Qual é o título de sua exposição?
VIRGÍNIA – “Chasing Shadows”, o que traduzindo seria, pegando, correndo atrás das sombras. Deixei em inglês porque não saberia traduzir poeticamente. Com este título, transmito o que quero, o que pretendo.
IZZA – E os filhos?
VIRGÍNIA – Julian é ainda muito pequeno, quanto a Chiara, gosto que ela tenha a concepção de que sou mãe e pintora O que ela não pode sentir é que não estou porque estou pintando. Quando ela está na escola, estou trabalhando e o tempo que dedico a ela é integral quando estamos juntas. Chiara é muito independente, até demais para sua idade, e depois o processo de crescimento é tão rápido e passa tão depressa.
Com esta vida de mudanças constantes, a família é muito importante, somos mais unidos, porque contamos praticamente conosco. É diferente das famílias que têm parentes etc. Agora que ela tem cinco anos, não existem problemas porque aprende a língua com facilidade. Vai à escola, já fala inglês, italiano e português fluentemente.
Quando chegamos ao Egito, suas primeiras palavras foram em árabe. É incrível a facilidade que uma criança tem de aprender rapidamente. Eu consegui aprender somente umas duzentas e cinqüenta palavras, o necessário para manter uma conversação. É uma língua dificílima, a escritura é completamente diferente. Este vocabulário de sobrevivência que consegui saber me ajudou bastante. Nos jantares falavam inglês, francês, muito grego e bastante alemão.
IZZA – E este projeto “Itália Viva” você está participando?
VIRGÍNIA – No geral o trabalho meu e de meu marido é completamente separado, mas neste projeto eu posso ajudar. A primeira peça “La Gatta Generentolla” foi maravilhosa, Ornella Vanoni e o grupo Osiris também serão sucesso, tenho certeza. Este projeto é interessante porque nos dá a idéia exata da Itália de hoje, o que está acontecendo nas diferentes esferas como teatro, dança, música, moda, indústrias, artes plásticas, etc. Foi uma ideia do embaixador Ciarrapico e ele conseguiu fazer uma coisa que nunca foi feita. É bom que o mundo perceba o que há de novo porque a Itália está mudada, já não é o que era nos anos 60. Veja a Ornela Vanonni, é a cantora italiana mais abrasileirada e está fazendo um trabalho muito sofisticado e evolutivo. Ela estará aqui conosco no dia 6 de junho, pois começa por aqui seus shows, porque a Itália Viva vai até julho.
IZZA – Para finalizarmos, quais seriam seus planos futuros?
VIRGÍNIA – Eu estou muito feliz com a minha vida e quero continuar fazendo o que faço com meu trabalho, com minha família, viajando bastante para conhecer novos locais, acompanhando meu marido Giancarlo. Sempre que possível. Temos atividades independentes, o que precisamos fazer separados fazemos, e o que podemos, fazemos juntos. É maravilhoso.
IZZA – O que para você é mais gratificante numa exposição?
VIRGÍNIA – Se você pode ver que a comunicação está acontecendo. Para uma artista o mais importante é trabalhar e depois naturalmente é essencial que exista o diálogo com o público. Uma exposição é a consequência. Gosto de fazer coletivas porque para mim é importante conhecer outros artistas, sentir-me parte de um grupo. As individuais são excelentes porque nos dão a oportunidade de mostrarmos melhor, porque dispomos de mais espaço. Assim o trabalho não se perde.
IZZA – E o que você acha da imprensa aqui em Curitiba.
VIRGÍNIA – Acho que a imprensa ajuda muito, mais do que estou acostumada porque penso que aqui os jornalistas têm mais poder na comunidade.