Curitiba. 18 de março de 1989
ESTHER ESSENFELDER CUNHA MELLO é uma das mais destacadas empresárias de nosso meio. Líder da tradicional Pianos Essenfelder, Dona Esther tem sido constantemente homenageada como executiva de sucesso e de grande visão empresarial. Seu amor à música e as artes em geral a impulsionaram a vida toda, para que ela chegasse a ser o destaque que hoje é. Esta é Dona Esther.
IZZA – Dona Esther, nós gostaríamos que a sra. nos contasse sobre o seu livro “A História dos Pianos Essenfelder”:
DONA ESTHER – Em épocas passadas, fiquei sobrecarregada de trabalhos, principalmente aqui na fábrica, mas apaixonada pela arte de construir pianos, iniciada pelo meu avô, mais tarde meu pai, meus tios e por último, primos. Eu já os amava e assim tive receio que as memórias sobre eles se apagassem, então comecei a pesquisar, cartas antigas, documentos, todos aqueles que já estavam até amarelados, escritos, inclusive em alemão e em espanhol. Comecei a trabalhar, escrevendo aos sábados e domingos para executar este livro, pensando que essas memórias não deveriam ser esquecidas e sabendo que era a neta mais interessada nestas pesquisas. Todas as pessoas possuem seus talentos, e eu gosto de registros. Fiz apressadamente este meu primeiro livro, inclusive porque fiquei com medo que aparecesse algum imprevisto que me impedisse de concluí-lo. Marquei uma data para dezembro-82. Dei-o às pessoas que senti terem capacidade para entender a simplicidade que nele existe.
Não escrevi sobre meus antepassados somente na parte comercial e industrial e sim, como eram em suas personalidades. Reuni depoimentos, espalhei-os entre a família e em pouco tempo o livro ficou pronto. Foi muito gratificante, porque as pessoas que receberam ficaram felizes, escreveram cartas maravilhosas e inesperadas para mim. Animada, realizamos a segunda edição.
Corrigimos, acrescentamos fatos, mudamos um pouco. Nesta segunda edição apareceram dados novos, outras pessoas na administração, assim como minhas filhas. Sei que deveria fazer um “dossiê comercial* para a firma após esse livro íntimo da família, mas como aqui temos que nos dedicar a tudo, em todas as áreas, falta-nos o tempo. A noite, domingos e feriados dediquei-me novamente a escrever outro livro, o título, “Porque me tomei empresária” onde relato a minha infância, a juventude e ainda outras épocas.
Ao elaborá-lo pude sentir, rememorando, que, desde cedo tive espírito de liderança, firmeza e coragem.
Foi interessante me conscientizar e sentir porque me tomei empresária. O livro está me dando satisfação, porque tive a oportunidade de me reconhecer e dando inclusive estímulo às outras mulheres, para que elas tenham a devida coragem de começar alguma experiência importante em seus campos de trabalho, na 3ª idade, impulsionando-as para que desenvolvam os seus talentos encobertos.
IZZA – A sra. acha que atualmente as tradições são valorizadas?
ESTHER – A “Casa da Memória” nos procurou e tem um relatório grande que eu mesmo forneci a pedido, e a “Imagem e Som” fez uma entrevista muito minuciosa sobre as famílias tradicionais do Paraná, até sobre a maneira de se vestirem, a alimentação, hábitos e outros costumes de viver. Posso dizer que somos muito procurados para divulgação empresarial. O interesse pelas tradições existe.
IZZA – Aqui a Sra. dirige tudo, em todos os setores?
ESTHER – Eu dirijo tudo sim, mais por ter coragem e muita força de vontade e persistência, espírito de luta. O que herdei talvez de meu avó ou de meu pai… Quem assim é por herança, coloca à prova quando necessário. E uma força igual à que aparece em dia de terremoto.
Eu tive esta experiência de terremoto no México. Inclusive a oportunidade de reconhecer a minha personalidade, no momento e após, deu para sentir que sou pessoa determinada. Não tive medo e sim ordem e disciplina para agir com a cabeça e me salvar a tempo. Saí de lá sem pânico e fui a última que entrei no avião de vôo para Miami. Era a única alternativa. Eu não era fatalista até ali, mas me tomei com o acontecimento. Chegar ao México na véspera da tragédia?
Ao receber elogios sempre respondi: isso não é nada comigo agora, mas com o dia 1 ° de março, o dia em que nasci.
IZZA – Há quanto tempo a Sra. dirige F. Essenfelder & Cia. Ltda?
ESTHER – Há dezesseis ou dezessete anos, desde 1973. Penso que tive muita diplomacia para lidar com os homens funcionários. Quando comecei, eu não tinha prática porque estava acostumada somente a tratar com meu marido e com minhas duas filhas, porque até ali não tinha trabalhado fora, mas com o tempo fui pegando o jeito e a habilidade. Foi convergir nas idéias e planos, fazendo com que eles sempre pensassem que sabiam mais do que eu, e provavelmente sabiam.
Foi difícil no início, porque eu fui criada com muito mimo por ser a filha mais nova e estava acostumada a cantar trechos de Opera e tocar piano. Chopin de preferência, e tive que despertar para os negócios – a indústria. Sempre gostei de desafios e ficava mais estimulada quando queriam me passar para trás. Não admitia perder uma luta. Recordo-me, que, quando via o mecanismo dos pianos por dentro, confesso que ficava tonta, mas hoje já não fico tonta com nada. Se eu tivesse começado na fábrica pelo básico, seria mais fácil, mas eu comecei pela arrumação o que considero mais complicado.
IZZA – Desde a fundação da fábrica, vocês foram muito homenageados, não é?
ESTHER – Sim, mas merecidas, porque todos têm o seu ciclo de vida. Nosso avô viveu até 73 anos e já estava sem atividades há alguns anos. Morávamos juntos em frente â fábrica. Nosso pai começou na fábrica com 14 anos e viveu até 62 anos de idade.
Nosso tio, iniciou aos 14 anos, e viveu até 70 anos. O primo Hélio dedicou-se a parte comercial. Faleceu após 20 anos de dedicação exclusiva. O Acyr Clóvis Essenfelder permaneceu na direção por meses, vindo a falecer. O falecimento de todos eles marcou pela ausência de pessoas da família na direção da empresa, que tivessem amor a fábrica, igual ao amor e dedicação deles. Estranhos consequentemente vieram e se aproveitaram a ausência da liderança familiar.
IZZA – Quando a senhora assumiu, houve insatisfação por parte dos demais?
ESTHER — Sim, menos dos operários. Fizeram de tudo para que eu não assumisse, mas por fim cansaram. Pensaram que eu não iria aguentar, mas como eu dormia cedo e me levantava cedo, bem disposta para lutar e vencer no dia seguinte, sempre com uma programação bem dirigida, consegui ir avante.
Tentaram tolher meus passos. Tive sempre uma visão do futuro. Preferi lutar do que viver envergonhada porque depois de perdermos a firma eu me sentiria assim. Optei e sei que a gente vence no que opta. Escolhi a luta, o sacrifício e a visão de sucesso. A vitória é tão gostosa e gratificante que não precisamos acrescentar nada a ela. Perdoar é que devemos.
IZZA – Suas filhas também atuam na fábrica?
ESTHER – Elas não participavam na firma há tempos atrás, porque tinham deveres familiares, como até hoje têm e digo, temos. Liane foi coordenadora 10 anos da parte de bailados no Teatro Guaíra, além de livre docente da Universidade Federal do Paraná e Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Esterzinha ajudava o marido no Hospital de Crianças – “O Pequeno Príncipe” em Marechal Cândido Rondon. Agora que os filhos delas estão maiores, elas participam no conselho, porém sempre me incentivaram, em todas as situações. Liane veio ajudar-me nas decisões. Esterzinha coordena as vendas e outros trabalhos de vendas.
IZZA – E a exportação?
ESTHER – Nós estamos nos equipando. O piano é muito sensível à maresia. Muitos compraram nossos pianos e levaram para o exterior. Temos na Suíça, Estados Unidos, Canadá, Paraguai e outros países. Exportamos e outros foram comprados aqui e levados para o exterior. A exportação deve ser feita com muito critério.
IZZA – Na época com todas essas mudanças econômicas, a Sra. sentiu alguma diferença no tocante as vendas.
ESTHER – Nós ficamos surpresos em novembro e dezembro porque vendemos em novembro, 180 pianos e em dezembro, 200. A nossa produção é de 6 pianos e meio por dia, 140 ao mês. E uma corrente de índices. Para fazer um piano são necessárias mais de 3 mil peças. Eles ficam prontinhos no final do dia, inclusive com 8 afinações descansadas entre uma e outra. E problema fabricar pianos no Brasil. Em outros países é mais fácil porque existem escolas para formação de técnicos e mão-de-obra especializada. Aqui, eles aprendem conosco e é multo difícil. Ensinamos tudo. Um homem talentoso para afinar pianos necessita de oito anos de prática. O Bacacheri e Juvevê estão repletos de chefes de famílias que se aposentaram nesta fábrica.
Nós temos um valor moral muito grande. Gostamos de entusiasmar os que trabalham conosco, promovendo festas e dando presentes no final do ano e outras datas. Temos inclusive um coral, o Hino Essenfelder. Tento sempre cumprir da melhor forma possível meus deveres de empresária, facilitando e tendo o maior respeito pelas pessoas que trabalham conosco. Penso que para vencermos é necessário primeiramente saber se, o que se está pedindo e exigindo, e em paralelo deve existir o sentimento humanitário. Aprendi que sem isto em chefias, não há êxito empresarial. Aqui temos que ser honestos em 1e lugar, para que possamos receber honestidade dos que trabalham conosco. As pessoas têm que trabalhar com gosto e bem alimentados. Constantemente fazemos a equiparação salarial para que haja justiça. Temos 250 empregados porque temos ainda a necessária serraria.
IZZA – Concorrência existe neste ramo?
ESTHER – Existe, mas sempre devemos estar afinados às mesmas.
IZZA – E os planos para o futuro?
ESTHER – O meu plano justamente é não ficar mais sozinha na direção da firma. O plano está traçado. Não quero que aconteça o que aconteceu com os outros antepassados que infelizmente faleceram sem estar programada a sucessão. Dirigir sozinha é uma sobrecarga e de enorme responsabilidade. Não é preciso ser assim.
IZZA – Fale-nos sobre esta homenagem do Clube Soroptimista Internacional.
ESTHER – As homenagens fazem parte da vida profissional. São os estímulos necessários. Recebo ofícios bonitos com freqüência de vários Estados. Sinto-me gratificada que reconheceram nosso trabalho e sacrifício. Essas associações são maravilhosas, as que existem e em especial com o Clube Soroptimista Internacional. A Federação das Indústrias do Estado do Paraná me convida todas as segundas-feiras para as reuniões de diretoria por fazer parte do Conselho Consultivo da Fiep. Aprendo muito com os diretores e com a presidência da federação.