Curitiba, 21 de outubro de 1990
CURITIBA DE ONTEM E DE HOJE
Ah! Curitiba como estás diferente daquela cidade pacata e provinciana que conheci por volta de 40, quando aqui cheguei, assustado, a descobrir, adolescente, um mundo novo.
Não vejo mais os bondes amarelos, que, superlotados, gritavam impropérios nos seus trilhos, mas que exibiam orgulhosos a veia criativa de seus poetas anônimos: “Veja ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem a seu lado. No entanto, acredite quase morreu de bronquite. Salvou-o, o rum creosotado”.
Curitiba terminava ali no Seminário que era o meu universo. Não tinha poluição, nem ares de metrópole. Domingo era costume ir ao Cine Broadway, assistir oito filmes de faroeste; Buch Hones, Tom Mix, Hopalong Cassidy. Como opção havia o Chic-Chic, o Passeio Público, ou mesmo o tanque do Bacacheri. Curitiba não tinha sistema de água, nem de luz, nem esgoto, nem de telefones DDD, como tem agora, nem terminal de transporte de massa, nem TV em circuito fechado.
Ah! como o tempo passa! Curitiba dos poetas e dos prosadores, do Instituto Histórico, do Centro de Letras, do Círculo Bandeirantes, que choravam Tasso da Silveira, Romário Martins e até Cervantes, mas que não era só tristeza, não. O povo ria com a verve caricatural de Alceu Chichorro, ou com Jacó Pim Pim nas páginas de “O DIA”. A cidade ataviou-se, enfeitou-se de graça, apesar da ironia do “Fumaça”. Curitiba dos Sindicatos que nasciam do surto das fábricas que apitavam a hora da industrialização. Das fundições da Cândido de Abreu, das alemães às funilarias dos espanhóis. Do comércio em ascensão que misturou português, italianos e outras raças nesta civilização. Mas era um privilégio subir e descer a Rua XV, sem pressa, ou contratempo, sem preocupação com o anel central, a contemplar as mulheres lindas e faceiras que, conforme o poeta Hermes Fontes: “transformavam os lares em roseiras
e a cidade em jardim de tentações”.
Ah! Tinha a Schaffer, que ai está outra vez, mas existia também a Blumenau
na praça Generoso Marques, que servia uma coalhada sem rival. Havia o restaurante Paris, na Riachuelo, onde se engalfinhava escada abaixo, a turma da pesada em atropelo.
Da boemia, porém sem confusão, era o Bar Paraná onde se pedia o “filet” Abílio Ribeiro,
ou a Sopa Húngara, sem perigo de intoxicação. Os campeões de sinuca desfilavam virtualidades no bar Jockey, na Ébano Pereira onde era proibido jogar a dinheiro, mas faziam apostas com papel, o dia inteiro. A cidade vibrava com os jogos universitários,
em que Medicina e Engenharia eram sempre finalistas. E as eleições da UPE (ou da Casa do Estudante) que extremavam liberais e comunistas.
Curitiba dos Mórbidos personagens de Dalton Trevisan; e de outros, ignorados e despercebidos que ficariam esquecidos, se eu morresse amanhã.
Gente de colarinho, e em desalinho, heróis e vilões do “Castelinho”
da noite a disputar a glória vã ou de lembranças típicas de rua. O magro Lamartine e o obeso Arzua. a competir com o atleta Bataclan!.
Curitiba de figuras folclóricas, da Maria Bueno e da Maria de Cavaquinho;
mas que esnobava elegância; num tempo que era “chic”.
a missa das onze do “Bom Jesus”.
Das audiências febris dos programas de rádio
onde as macacas de auditório curtiam Aluízio Finzeto e Bráulio Prado.
Das carroças de Santa Felicidade que enfeitavam a paisagem hibernal,
em contraste com os primeiros carros importados, que marcavam nosso status provincial!
Onde está o campo da Galícia onde quase sempre a polícia terminava, a seu modo,
o “clássico” da suburbana?
O Poty, o Belmonte, o Bloco, o Primavera, ou o 5 de Maio, não importa, decidiam com aquela raça que hoje parecer inexistir na praça!
Bons tempos de Fedato e de Miltinho, do furacão de Jackson e Cireno, de José de Freitas,
Ferreira e Janguinho. Quem não se lembra daquele time o “nem que morra”, o Palestra do Lazinho, que teve a sina de vê-lo senador por Santa Catarina?
Depois, então, era a nostalgia, relembrar no Bar Triângulo, ou no Buraco do Tatu, as defesas do Laio, ou do Caju.
Ah! Curitiba dos comícios e das cívicas paixões que viu o Getúlio ali no Braz Hotel.
Que viu o Brigadeiro acenar o lenço branco da desesperança.Que viu Jânio, viu Bento e viu Ney carregados pelo amor das multidões.
Ah! Curitiba, parece que hoje estás diferente
Creio que é a roupagem que te cobre, vestida de tecnologia e urbanismo, embora tanto cosmopolitismo, a tua alma ainda é a mesma,
rica e nobre!
TÚLIO VARGAS (in memoriam)
Escritor