Curitiba, 23 de outubro de 1988
LIGIA DE ARAÚJO HAKIM. Ela se expressa com facilidade. É extremamente simpática, talvez por isso, seja solicitada para auxiliar em diversas promoções sociais e filantrópicas. Já fez muito, e continua fazendo, sempre com bom astral e boa vontade. Relações públicas do Clube Soroptimista, do Clube da Soda Hélio Brandão, participante do Conselho das Senhoras Siro Libanesas do Paraná, vice-presidente do Departamento Feminino do Clube Sírio-Libanês, Ligia distribui com habilidade todas essas atividades, sem se descuidar da parte familiar que diz curtir muito. Essa é Ligia, Sra. Calixto Hakim.
IZZA – Ligia, sabemos que você se movimenta bastante socialmente. Conte-nos sobre suas atividades.
LIGIA – Já trabalhei com muitas coisas, inclusive com representações. E, sendo meu marido médico, atuei também como gerente administrativa do Hospital Infantil “Anjo da Guarda”, que era nosso. Adoro lidar com o público, criar. Inclusive por três anos criei o uniforme da Feira de São Francisco. Sempre me solicitam e eu atendo com prazer. Sou agora vice-presidente do departamento Feminino do Clube Sírio Libanês, e nesse setor fazemos conjunto com a parte social. Agora, por ocasião das debutantes, auxiliamos no baile que foi muito bonito, e já estamos nos preparando para o Natal. No Clube Soroptimista, na gestão passada, fui a coordenadora do programa da terceira idade.
IZZA – Como era essa coordenação?
LIGIA – Fazíamos palestras, visitas aos asilos, atendíamos inclusive na parte de estímulo e até embelezamento. Tínhamos uma cabeleireira que ia esporadicamente para cortar o cabelo, etc. Eles precisam de muita atenção e carinho e principalmente de alguém que escute suas estórias, suas lembranças. E interessante, a gente aprende multo, e geralmente as pessoas pensam sempre em ajudar crianças. E eles precisam até mais de apoio, porque alguns deles labutaram a vida toda, e não tiveram tempo de ter atenção. Então, se sentem marginalizados, porque no Brasil a pessoa, depois dos 60 anos, é considerada velha, mas não em outros países. O que não podemos esquecer é que eles precisam, e muito, de afetividade.
Acho que eles estão em franca atividade, prontos para produzir e com uma bagagem enorme de experiência acumulada que deveria ser canalizada para algum ramo, porque não ê justo que a pessoa fique no ostracismo somente por ter mais de sessenta anos. No Brasil infelizmente, ê assim. Vivi nos Estados Unidos e deu para sentir que lá eles dão mais apoio e mais importância. Existem grupos, clubes. Seria excelente que aqui fosse assim. Sei que existe o SESC que tem apoiado a terceira idade, mas pouca gente. E um programa excelente, fazem excursões, etc. Em São Paulo funciona muito. Vão a teatros, shows, jantar fora. Aqui não tenho tido conhecimento.
IZZA – Você falou que viveu nos Estados Unidos?
LIGIA – Morei dois anos. O Calixto foi fazer especialização em Oncologia e eu aproveitei para fazer um curso de Fono, para as pessoas que não têm laringe, para que possam falar pelo esôfago. Um curso técnico, no Roosevelt Park Memoriam Institute. Foi muito gratificante, mas aqui em nosso país o nosso povo não aceita, pelo excessivo esforço que as pessoas têm que usar. O método é usado em doentes oncológicos. Quando vim dos Estados Unidos, dava esse curso pela parte da manhã. Tive vários alunos até de Ponta Grossa; Santa Catarina e de outros tocais. O que eu recebia, doava para o Clube de Soda Hélio Brandão. Foi muito compensador, porque as pessoas de alta renda têm condições para a compra de aparelhos, mas as pessoas pobres, não. Têm que aprender a falar. O processo é rápido e para a professora também é desgastante, t interessante poder ajudar alguém que precise.
IZZA – O que seria o Clube da Soda, de que você fala com tanto carinho?
LIGIA – O Clube da Soda Hélio Brandão é um clube que está ligado ao Hospital Nossa Senhora das Graças, somente de crianças que geralmente vêm do interior e que ingeriram soda cáustica. Eles têm que fazer dilatação diária. As vezes essas crianças ficam lá durante anos e só vão para casa na época de Natal. Como são pessoas carentes, trabalhamos com promoções que rendam algum dinheiro. Apesar de recebermos ajuda do governa essa ajuda não é suficiente porque nosso sistema de saúde é ainda deficitário. Vale â pena conhecer o Clube da Soda: são crianças de berço. Às vezes, e algumas melhoram. O número de crianças é relativamente grande, mas o local não comporta muitas. Sou da parte de relações públicas, e divulgação. E um clube bem organizado e cada um cumpre bem a sua função. Quem ajuda muito é a Rosarita Dotti que sempre doa os ingressos para que essas crianças assistam a alguma peça infantil ou show.
IZZA – Você acha que o curitibano coopera com filantropia?
LIGIA – Auxilia bastante. Nós sempre temos apoio porque o curitibano acredita nessa parte. Temos ajuda em tudo, financeiramente, força etc., e também a imprensa que divulga sempre que peço. Através dessa colaboração chegamos mais rapidamente no nosso objetivo. As colunas sociais são muito lidas e acho que nosso jornalismo é bom, honesto, de excelente padrão.
IZZA – Qual é a sua parte no Clube Soroptimista atualmente?
LIGIA – Sou relações públicas também. Me solicitaram para esse cargo talvez por eu ser muito conhecida e ter facilidade de me comunicar inclusive no meio jornalístico.
IZZA – E, como vai a Sociedade das Senhoras Sírio-Libanesa do Paraná?
LIGIA – No momento faço parte do conselho. Trabalho com a Lourete Tacla. Esta sociedade começou com um chá de senhoras cuja finalidade seria ajudar os patrícios que chegavam, dar orientação, apoio financeiro. Com o tempo foi aumentando, e tendo condições de assistir também aos brasileiros.
IZZA – Você gosta muito de vida social, não é?
LIGIA – Adoro lidar com as pessoas, movimentação, e às vezes paro para dar atenção à minha família. Gosto de desafios, quando ninguém consegue, quero vencer. Acho que quando assumimos alguma coisa temos que vestir a camisa e ir fundo. Algumas pessoas me acham perfeccionista por isso. Minhas promoções sempre dão certo, não só por mim, mas também pelas minhas amigas que formam uma equipe excelente. Esse grande número de colaboradores auxilia bastante, porque, sozinhas, não conseguiríamos fazer nada. São mulheres que trabalham muito. Quando precisamos de algo, pegamos uma bem ocupada que certamente arranjará um tempinho para resolver o problema. A equipe é homogênea, claro que temos divergências, mas sempre chegamos a um ponto certo.
IZZA – Há muitas voluntárias para entrar no grupo?
LIGIA – Muitas querem entrar, mas nem todas permanecem porque é uma atividade trabalhosa e desgastante e dispendiosa. Ninguém recebe nada em troca A meu ver é uma realização, aprende-se bastante e o mais importante são os resultados por mais que pensem que certas pessoas só trabalham nesse ideal para aparecerem no jornal, é uma ideia errônea. Elas aparecem em vista do trabalho que foi realizado. Primeiro fazem e depois aparecem; e isso às vezes leva anos. Você ajudando as pessoas, trabalhando em prol de alguma coisa, sempre terá o retomo. Trabalhei muito tempo também na Cruz Vermelha com Zirce Grein, a presidente.
IZZA – Agora vamos falar de você e da sua vida familiar.
LIGIA – Curto muito minha família, meu marido, meus filhos, minha filha e minha neta a menina dos meus olhos Na parte familiar eu procuro, dentro do possível, participar da vida de todos eles, dar apoio, e vibro muito com as atividades dele Me lembro que, quando eles eram pequenos e participavam de campeonatos de futebol, eu fazia questão de pintar as bandeiras torcer por ele Acho que se você não torcer pelos teus, quem vai torcer? Roxana, Calixto Eduardo e Calixto José, já estão todos encaminhados
IZZA – Como é a Ligia avó?
LIGIA – E a coisa mais gostosa, porque ficamos com a parte de prazer, de passear, enfeitar, mas em aquela responsabilidade de educar. Começamos a vida com eles porque a vida é uma bola de neve que vai, vai até que explode, e quando começam os netos, a gente se estrutura novamente com a crianças, brinquedos e até um incentivo para a vaidade, para que nos arrumemos melhor. Acho que os netos renovam principalmente a mulher, remoçam. Na nossa sociedade, o homem está sempre se atualizando e a sociedade brasileira não admite que a mulher envelheça O homem pode, porque acham até que fica charmoso com alguns cabelos brancos, mas na mulher não. Então temos que evoluir, fazer plástica mudar o visual e eu acho que os netos são um incentivo. Temos que assumir que somos avós, independente de idade. Muita gente não aceita A vida familiar atualmente deve ser bem dirigida porque a época está difícil e, se não tivermos entrosamento total será impossível a realização fora, não dá para termos duas personalidades, uma dentro e outra fora.
IZZA – Qual seria a tua filosofia de vida?
LIGIA – Casou bem com o que a Maria Cecília Rosenmann disse na entrevista que a gente tem que trabalhar hoje, como se a gente fosse viver cem anos e agir como se fôssemos morrer amanhã, porque se você pensa que vai viver cem anos você luta para realizar, criar a longo prazo, e você pensando que vai morrer amanhã terá a vida sentimental e espiritual sempre em dia E muito importante estar com a consciência tranquila e deixar a parte de trabalho atualizada Admiro a filosofia dela e a do Clube Soroptimista Só serve para viver, quem serve para servir. Ter sempre a ideia de sucesso, ajuda a conquistar e conseguir. Sou sagitariana extremamente otimista. Procuro sempre estar de bom astral. Não temos o direito de passar nossos problemas para os outro
IZZA – O que você gostaria de acrescentar para finalizarmos nosso bate-papo?
LIGIA – Eu gostaria que o brasileiro fosse um pouco mais patriota, que o pessoal tivesse mais amor à pátria que as pessoas nesse país fossem mais honestas, pensassem mais na comunidade do que em si mesma porque se não o país não vai para a frente. Precisamos de jovens, de líderes, mas eles têm que começar de crianças, em casa que tivessem orgulho de seu hino, seu folclore, divulgar mais o fandango, sua gralha azul, porque as pessoas de fora sentem que o brasileiro às vezes tem vergonha de sua pátria Seus artistas, seus poetas não são divulgado a. Deveríamos ter mais postura cívica e a falta disso, ê um pouco de relaxo. A educação cívica e religiosa está faltando. Esses dois itens movem o país, a honestidade vem disso aí.
Por exemplo, as Olimpíadas, acho que quando alguém vai representar o país tem por obrigação fazer o máximo. Se a pessoa não tem capacidade, que desista porque inclusive a posição dos nossos atletas, acho que faltou um pouco de patriotismo. Os de outros países choravam quando perdiam, porque tinham brio, os nossos não, sempre havia uma desculpa, o tapete estava assim. o técnico etc. Deve haver uma formação.” “Eu perdi porque eu não fiz o que devia fazer”, eu penso assim. Assumir, e não justificar o erro. Talvez hajam deficiências anteriores que desconhecemos.