Curitiba 3 de julho de 1988
MARIA SYLVIA MENDES, dedica-se há vinte anos a sua atividade preferida, que é lidar com crianças. Juntamente com Francisca Maria de Fauw dirige o Jardim ‘‘Tempo Feliz’’ onde passa grande parte de sua vida. Professora, pedagoga, orientadora educacional, Maria Sylvia nos conta esta semana, como é seu mundo e como se realiza no seu “Tempo Feliz’’.
IZZA – Como nasceu o “Tempo Feliz”?
SYLVIA – Neste tempo em que trabalhei com pequenos, notávamos que aqui seria necessário, faltava uma casa que cuidasse de crianças pequenininhas enquanto a mãe estivesse fora, trabalhando com dificuldade de não ter onde deixar, pela dificuldade financeira que faz com que a mãe atue fora mais cedo, e foi quando começamos a pensar num berçário, porque as mães que já tinham crianças maiores aqui no “Tempo Feliz”, pediam para deixar também o nenê conosco por algumas horas. Sentindo que ainda não tínhamos estrutura para misturarmos idades, alugamos a casa ao lado, onde agora é a casa do bebê, da mesma firma. Lá ele fica até aos dezoito meses mais ou menos, passando daí para a outra casa que é a 288, onde poderá frequentar até aos 6 anos no jardim III. De 2 a 6 anos, ficam período integral, das 7 horas até as 19 horas, e mês não fechamos para as férias.
Normalmente, a criança passa 12 horas conosco durante o ano todo. Vai do maternal, que começa aos 3 anos, Jardim I, Jardim II e Jardim III, consecutivamente, depois eles saem daqui para os colégios grandes. E há um ponto interessante. Algumas voltaram para cá, porque os pais solicitaram que o ônibus do colégio entregasse as crianças aqui, onde eles almoçam, tem período de recreação, fazem higiene. Temos professoras especializadas para fazerem as lições de casa com eles, participam de natação, judô. As meninas vão para o Ballet e assim é ocupado o outro período em que eles ficariam limitados dentro de um apartamento.
IZZA – Isso é uma tranquilidade para os pais. Não é?
SYLVIA – É um conforto e uma segurança, porque o problema sério para os pais é fazer com que a criança se ocupe adequadamente, estando a mãe fora de casa. Aqui eles têm o tempo todo preenchido com recreação dirigida. Os pais quando saem do trabalho, passam para buscá-los, certos de que os filhos foram bem cuidados.
IZZA – Quantas crianças frequentam o “Tempo Feliz”?
SYLVIA – No ano passado, terminamos o período do ano letivo com 140 crianças. Esta época agora, chamamos de “baixa”, porque devido ao clima frio, as mães fazem o possível para que o filho fique mais um período em casa, e depois há também a fase de amamentação ou de auxílio à maternidade. Entram em férias porque quando o nenê é muito pequeno, há o problema de saúde, difícil de ser controlado, quando o nenê é tirado muito cedo de casa. Aqui, muitas entraram e tiveram que sair por isso, e outras porque a mãe foi despedida.
IZZA – Você acha que devido à Constituinte, esse problema está se agravando?
SYLVIA – Mesmo antes de entrar em vigor esta proposta da Constituição, antecipadamente, mesmo que não seja aprovada pelo 2-turno na qual passará, estes 120 dias estão sendo um enorme problema. A criança já está sendo sacrificada, porque a mãe, mesmo com muita necessidade, já está voltando para casa. Temos casos de mães mesmo com 2 ou 3 filhos que foram despedidas. Imagine como é difícil para esta mulher arranjar um novo emprego, pois fica cada vez mais complicado. Isto faz com que ela tenha que deixá-los com outras pessoas para ter condição de poder batalhar, ir à luta para ver o que é possível ser feito.
IZZA – Como você acha que a mulher poderia assumir a maternidade na instabilidade atual?
SYLVIA – É uma pergunta muito difícil. As firmas grandes já fazem uma seleção total, e sempre, por mais que neguem, a mulher entra em desvantagem quando concorre a uma vaga. E essa lei, mesmo antes de ser aprovada, como falei no início, já está cortando as mulheres, porque sé a possibilidade de ela ter o direito de ficar em casa por um longo período, já a elimina. Isso fez com que as mulheres fossem altamente prejudicadas em lugar de favorecê-las, como muitas pessoas pensavam. Veja, realmente é difícil, são 120 dias contando com o último mês de gravidez. Depois vem o período de lactação, até os 6 meses e mais a licença que ela tenha, ou mais o período de férias. Ela se ausenta então meio ano, e isso faz com que seja demasiadamente dispendioso.
IZZA – Você já teve esse problema no berçário?
SYLVIA – Por exemplo, aqui não temos a coragem de fazer essa seleção, saber que a mulher tem 3 filhos, poderá ter mais 2 e mandá-la embora por isso. Temos 4 babás grávidas, e depois que tiverem os filhos, trazem para o próprio berçário, então é comum esse caso aqui, mas em grandes firmas sabemos que é impraticável as mães fazerem o mesmo. E depois, quando a babá sai para ter o filho, conforme a época, é possível contornar sua ausência, mas em compensação, se estivermos em outra fase, com muitas crianças, temos que arranjar outra pessoa que a substitua, e isso realmente causa um problema social.
Claro, a gestante tem todos os direitos garantidos e é respeitada, mas, às vezes, a que toma seu lugar por 4 ou 5 meses, também é uma pessoa excelente, que terá que deixar o posto para dar o lugar à que retomou. E existem casos em que a substituta é talvez ainda mais eficiente, e tem mais dom para o trabalho proposto. Quando essa lei surgiu, foi aplaudida inclusive pelas mulheres, mas acho que no momento, elas não tinham consciência exata do problema pois é uma faca de dois gumes.
IZZA – Com o atual salário-mínimo, a mão-de-obra está difícil nesse campo?
SYLVIA – A dificuldade que as pessoas têm com o salário mínimo é um problema seríssimo. Como podemos exigir boa apresentação, aparência, quando o que recebem é tão pouco para suprir suas necessidades? Alguém perguntaria: por que não aumentamos então? Justamente porque com o primeiro Plano Cruzado, as escolas que sobreviveram, nunca mais fecharão por falta de dinheiro. Foi uma situação tão delicada, porque passamos a trabalhar no vermelho tanto tempo, e por mais que se trabalhe, ainda não se adquiriram condições para benefícios e melhorias.
Os aluguéis, os impostos, amarram, o telefone e outras coisas de 1? necessidade, imprescindíveis, por exemplo, a alimentação. Se somarmos o que sobe, o pão, o leite, a carne, fundamentais para um berçário; se formos aumentar a proporção de tudo, o que já teve alta, não conseguiríamos fazer com que os pais tenham condição de manter uma criança aqui. Temos bastante explicações nessa área. Não temos solução devido às dificuldades apresentadas.
IZZA – Há alguma determinada classe que procura mais esse tipo de serviços?
SYLVIA – Há uma variação. Para melhor reproduzirmos o que estamos tentando, veja bem, as crianças de maior nível aquisitivo, cujos pais têm melhores condições, dispõem de berçários luxuosos geralmente procurados por determinada camada social. Existem do tipo do “Tempo Feliz”, uma certa gama, mas alguns infelizmente abrem e fecham com problemas de manutenção. O nosso especificamente, tem convênio com a Telepar e a Caixa Econômica, e isto felizmente faz com que não haja seleção de casta social. De maneira geral, são crianças de classe média onde todos os pais trabalham. Não aceitamos se realmente a mãe não trabalha ou estuda, ou não tem afazeres que na verdade a obriguem a afastar-se do filho. E não haveria necessidade.
IZZA – Você acha que esse afastamento da criança gera problemas futuros?
SYLVIA – Em nossas reuniões com os pais, sempre dizemos, quando nos perguntam “se a criança que sai de casa às 7 da manhã e retoma somente às 19 horas, de dezembro a dezembro, de segunda a sexta-feira, mais tarde não terá uma lacuna? – Respondemos que sim, porque nós não estamos aqui para substituirmos os pais. Ninguém tem a pretensão de concorrer no espaço ocupado por eles, e sim, estamos para atender com muito amor e carinho na falta e dificuldade da empregada doméstica, da credibilidade principalmente agora com raptos, casos que apavoram.
Estamos dando tranquilidade aos pais porque não é fácil dizer que uma mãe deixa o filho e vai ao trabalho ou ao estudo, conscientemente tranquila. Esse é um trabalho sem solução. Às vezes probleminhas como a troca de uma chupeta, faz com que a mãe extravase todo o problema emocional que ela viveu por estar o dia inteiro fora de casa, tão cedo com uma criança tão pequenininha. Essa é a parte humana da coisa. Esse também é um problema social. Pelo menos sabemos que as mães que trazem seus filhos sabem que eles estão sendo tratados com muita atenção e alegria, como você pode notar. E ela só se tranquiliza com o tempo, quando vê que seu filho está progredindo.
IZZA – Pude notar que você tem uma equipe muito boa.
SYLVIA – São ótimas. Quando chegam aqui, logo pegam prática. A princípio, à vezes um pouco assustadas. Mas preferimos pessoas que não tenham problemas para que possam transmitir mais tranquilidade e confiança. Elas são treinadas para qualquer eventualidade. Para os bebês de 2 ou 3 meses, procuramos pessoas mais calmas que não falem tão alto, saibam atender numa emergência; e para recreação, procuramos meninas de 17 ou 18 anos que tenham jeito, curtam o que fazem.
Temos hoje 18 babás e 4 professoras especializadas, porque quanto menor a criança, maior deveria ser o grau de cultura para que elas possam transmitir sempre mais. Então essas crianças saem aqui da casa do bebê, onde passamos o dia todo, trabalhando, inclusive no horário das refeições, passam para a outra casa onde estão as recreanistas que possuem aprendizado. O meu grande sonho, que talvez se concretize no ano que vem, é alugar uma casa maior onde possa reunir tudo num só local, um só núcleo. Isso facilitaria até a visita de um irmãozinho a outro.
IZZA – Você trabalha sozinha?
SYLVIA – Tenho uma sócia, a Francis. Estamos juntas há 10 anos. Abrimos o “Tempo Feliz”, que realmente tem sido feliz. Nunca tivemos fases negras, felizmente. Estamos ótimas com os nossos bebês. Temos grande realização de trabalhar com essas crianças maravilhosas, sadias, que respondem a tudo o que pedimos. É gratificante. Não trocaria minha profissão por nada que me fosse oferecido. Muitas pessoas nos aplaudem, gostam de nossos serviços; outras apontam pontos negativos, mas acho que toda a critica desde que seja construtiva, nunca é uma critica, e sim uma solução para algo que tenha passado despercebido. Duas vezes por semana nos revezamos, eu, a Francis, e o Carlos, meu filho.
IZZA – E quanto ao atendimento médico?
SYLVIA – Os primeiros socorros, graças a Deus, têm sido em número muito pequeno, apenas coisas normais que acontecem. Nós trabalhamos com a ficha médica do próprio pediatra no ato da matrícula. A mãe preenche uma ficha com tudo o que diz respeito ao aluno, preferências, prováveis alergias, atestado de vacina, e numa das partes de atendimento médico ela responde tudo sobre o pediatra da criança, telefone, onde pode ser encontrado, etc. Por ali temos a facilidade de encontrá-lo, mas antes que isso aconteça, temos também o esquema de caderneta. Todas elas têm uma onde vêm anotadas diariamente as medidas imediatas para o dia. Por exemplo, se ela teve febre, vem anotado o que devemos fazer, e junto, os remédios a serem dados. Se acontecer alguma coisa, ligamos na hora para a mãe.
IZZA – Falando nisso, como você relaciona a situação atual com a educação?
SYLVIA – Se não conseguirmos mudar essa geração, fazer com que haja mais capacidade de estudos, berçários, creches para todas as faixas etárias e para todas as classes sociais, acho muito difícil qualquer projeção para o futuro. Quando eu trabalhava em colégios maiores, eu sempre pensava que a única solução para essa faixa tão grande de viciados que temos principalmente de 12,13,14 anos e que atualmente está ainda mais baixa, crianças drogadas praticamente desde que nascem. Sempre achei que o que poderia manter o adolescente afastado da droga seria o esporte, porque enquanto sua cabeça estivesse ocupada com alguma coisa construtiva para ele, ele não teria tempo e disposição para pensar nisso. A mesma coisa eu acho agora. Deveria haver maior empate de capital em creches, berçários, para que as mães possam trabalhar tranquilas, e principalmente, para as crianças terem uma orientação sadia.