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“ARTE E BOM GOSTO, INVESTIMENTO E CULTURA” conta Johanna Di Bernardi

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Curitiba, 15 de maio de 1988

JOHANNA Dl BERNARDI. Destaque no mundo das artes proprietária da Academus Arte e Leilões, tem a preocupação constante de descobrir e introduzir no mercado novos talentos. Portadora de grande sensibilidade, brasileira por opção, nos conta, nesse bate-papo, como e porque trocou a área tecnológica pelo campo das artes. Essa é Johanna, Sra. Edson Di Bernardi.

IZZA – Johanna, você desenvolve muitas atividades. Qual seria a sua principal?

JOHANNA – A minha função principal é a de leiloeira oficial. Também organizo exposições da Academus Arte e Leilões e naturalmente assessoro meu marido Edson Di Bernardi na parte de arte, nada tão programado porque tudo na vida acontece no seu tempo certo. Curiosamente a minha formação é bem técnica. Estudei Engenharia Eletrônica e trabalhei com computadores antes de trabalhar com arte. Quando garota em São Paulo, fiz teatro amador, vivia no meio dos artistas é o meu amor pela arte. Estou do outro lado da divulgação, da valorização, do empenho.

Fico muito realizada quando descubro bons artistas. O olho da pessoa que trabalha com arte é o essencial. Não é só valorizar pessoas conhecidas. É justamente perceber os que vão ser conhecidos um dia, sentir a qualidade da arte em uma pessoa que ainda, não tenha sido divulgada e que não tenha nome nenhum. É fácil dizermos que o Scliar é ótimo, o Mabe é sensacional, mas isso é óbvio pois o mundo todo já está aplaudindo. A grande gratificação é apostar, perceber o potencial de algumas pessoas.

IZZA – Nós gostaríamos de saber sobre a tua parte humana.

JOHANNA – O que eu posso dizer é que vivo intensamente em tudo, não na pressa, mas cada coisa que faço, faço de corpo inteiro. Não por ser mais conveniente, dar mais dinheiro ou estar na moda, faço porque gosto de fazer e isso me dá grande segurança dentro de meu trabalho, porque as pessoas sentem que eu realmente amo minha atividade. Adoro fazer leilões de artes ou de carros, ou de outras coisas. Organizar exposições e preparar é um trabalho de retaguarda porque para o artista, ele ter sucesso numa exposição, é importante que a qualidade do trabalho seja boa, mas também muito importante é que seja montada uma exposição que tenha divulgação correspondente, seja organizada corretamente. Então eu vivo intensamente todas as minhas atividades, de mãe, de esposa, de amiga, companheira, tudo tem o seu espaço. O difícil é fazer tudo, claro que é impossível com muita perfeição. A gente acaba tendo que deixar algumas coisas em segundo plano.

IZZA – Você é brasileira?

JOHANNA – Nasci no Tirol, mas sou brasileira de coração e acho que mais ainda do que 90 milhões de habitantes nesse país, porque amo demais esta terra e sou brasileira por opção. Escolhi espontaneamente e quando criança recebi minha cidadania. Nasci nas divisas com a Itália, mas vivi em São Paulo, até 8 anos atrás, e pelo fato de o Edson ter estudado e se formado aqui em Curitiba, eu vim e me apaixonei pela cidade. Acho que Curitiba é uma grande cidade e o Paraná um grande Estado do Brasil. Eu era bem-sucedida em São Paulo já tinha conquistado o meu espaço lá, e era respeitada dentro do meu trabalho, consequentemente eu não vim para cá procurar sucesso, e sim porque gostei. Se eu trabalhasse em São Paulo e colocasse minha energia e trabalhasse da forma que trabalho aqui, os resultados financeiros teriam sido mais com- pensadores. Resolvi abrir caminho e tenho a satisfação de fazer uma coisa nova, implantar, a longo prazo.

IZZA – Foi difícil conquistar o teu espaço como leiloeira?

JOHANNA – Meu marido já era leiloeiro e como sempre trabalhamos juntos, mesmo na época em que eu não era leiloeira, eu cuidava da parte administrativa. Sempre fizemos tudo em conjunto. A minha família, meu marido, meus filhos, meu lar, vêm em primeiro lugar e isso não é dissociado de minha parte profissional. Acho curioso porque, voltando atrás, quando eu era garota, eu vi uma geração em que as meninas não iam nem ao cinema desacompanhadas. Eu já viajava sozinha, tendo pais europeus, a cabeça era outra, então essa liberdade de espaço que talvez as pessoas tinham que conquistar com muito esforço, para mim foi uma coisa muito natural.

Não achava nada estranho estar exercendo alguma atividade considerada masculina, trabalhar com computação. Fui funcionária da Siemens 4 anos, dava cursos de preparação para implantação de computadores. Para mim, se é uma pessoa que trabalha, profissional, não quer dizer que tenha que relegar a segundo plano aquilo que tem biologicamente inclusive, o fato de ser mulher.Então, continuando a ser mulher a cabeça não funciona independentemente de sua atividade pois existe o lado maternal, feminino, doméstico que não é desassociado do outro lado, o profissional. Eu não deixo de estudar com meus filhos à noite quando é necessário. Acho uma forma de atendê-los, levá-los e buscá-los no colégio porque é uma horinha em que trocamos idéias, conversamos. Eu tive uma infância muito feliz e fui abençoada em todos os sentidos, pela amizade, paz, filhos, marido, etc., e eu sei que o mais importante na vida é o amor.

Vi a tua entrevista com a Débora e acho que realmente é isso mesmo o que ela falou do amor. É a grande mola que move tudo. O amor, o positivismo, o otimismo é construir. Eu renego completamente qualquer ideia pessimista, derrotista, destrutiva, invejosa, ciumenta. A gente sempre tem que ter um astral para construir, ajudar, participar, ter uma palavra amiga. Isso tem que partir de dentro da pessoa. Tudo tem dois lados, o dia e a noite, o branco e o preto. Qualquer situação que ocorre, tanto pode ser lamentada pelo fato de ser desagradável ou considerada construtiva, porque nada é cem por cento ruim. Então depende do tratamento de cada um aceitar. A gente sempre enxerga o mundo com a cor de nossos óculos. Na verdade, as coisas estão aí, mas nós interpretamos de acordo com o nosso temperamento. Depende de nós vivermos felizes construtivamente ou viver tristes e aborrecidos. Aí já entra a parte de filosofia de vida.

IZZA – Qual é a sua filosofia de vida?

JOHANNA – Eu sou esoterista. Acho que a gente cresce e acredito na reencarnação, que estamos aqui cumprindo determinada missão e se aceitamos a missão de forma tranquila, tudo se toma mais fácil. Não é por eu ser uma pessoa exultante em relação à vida, que eu não tenha problemas, dificuldades ou horas de tristeza, mas a tristeza nunca passa de uma noite. Quando acordo, vejo o céu e tenho tanto a agradecer. Tudo passa, porque na verdade o que precisamos para viver é muito pouco. Tudo o que fazemos e que temos além, é uma dádiva, e essa dádiva quanto mais a gente tem mais temos que distribuir com outros, subjetivamente, construindo, incentivando, porque muitas vezes uma palavra de incentivo na hora certa, vale muito mais que um prêmio na loteria. A pessoa acaba tendo energia e vontade de conquistar por si própria aquilo que pode adquirir fora. A felicidade está dentro de cada um.

IZZA – E os leilões?

JOHANNA – A grande importância deles é que a maneira mais saudável de negociar um objeto, tanto de arte como outros de determinadas firmas. Suponhamos que uma empresa tenha uma frota de carros que quer renovar, em vez de fazer uma licitação por carta, coisa que às vezes pode até propiciar um certo favorecimento para um ou para outro, e também pode até não atingir os valores que atingiria num leilão (por- que um leilão público é uma coisa aberta, limpa). Então ali no ato, no pregão, leva quem oferecer maior lance, beneficia o comprador e o vendedor que às vezes consegue um preço muito maior do que se vendesse diretamente. Há uma ideia errada a respeito de leilão. Quando eu vim fazer os primeiros, senti o que as pessoas imaginavam que eles eram feitos só quando se estava em falência, ou porque eram objetos que ninguém mais queria ou no outro extremo: demasiadamente caros. Não é nem um extremo nem outro. São simplesmente bens que a pessoa, por qualquer razão, não deseja mais e quer vender.

Quando ela vende em leilão, realmente atinge um valor de mercado porque é aquilo que as pessoas estão dispostas a pagar por aquele objeto. É rápido, aberto e extremamente funcional. Vejamos um leilão de arte, particular. Suponhamos que você tenha alguns quadros, esculturas, móveis que herdou, ganhou. Para você se desfazer disso, ou tem que percorrer as casas que trabalham com isso, dar em consignação ou vender por menos do que vale. Em um leilão, a pessoa traz. Ninguém sabe quem está vendendo, e, às vezes nem se conta quem comprou, o objeto muda de mão de uma maneira rápida e discreta. Um móvel para o qual você não tem espaço na sua casa, pode ser justamente aquele móvel que outra pessoa está precisando. Eu encaro o leilão como um trabalho de prestação de serviço e a pessoa que traz o objeto em questão não tem despesa nenhuma.

Ela só vai pagar uma comissão à casa, no caso de venda. Nós recebemos aqui os objetos, 60% do valor do mercado para começo de lance. Então digamos que uma determinada obra que no mercado vale 10.000, nós recebemos por 6.000 para começar o pregão, e mesmo porque, é uma venda à vista, e se o objeto vale, já tivemos caso em que triplicou o valor porque não é o preço dado que vai fazer com que modifique o valor da peça. Quem vem já tem a intenção de adquirir alguma coisa e principalmente em um leilão de arte há a parte lúdica porque a pessoa está se entretendo, participando e quem começa a participar, não deixa de vir porque realmente é muito gostoso, agradável ver objetos de diversas origens, prata, cristal, escultura, móveis, marfim. A pessoa sempre acaba aprendendo algumas coisas. É uma atividade comercial, cultural e principalmente uma atividade de público que beneficia todos os que participam.

IZZA – E o Edson, seu mando, participa de todos os leilões?

JOHANNA – Sim, ele é artista também, premiado agora no Curitiba Arte Quadro, terceiro prêmio com uma viagem a Buenos Aires. Tem quadros muito bonitos. Chegou esta semana da Itália.

IZZA – E quanto às exposições que você organiza?

JOHANNA – Adoro ter uma atividade que beneficia as pessoas. Tudo o que faço acho que tem que ser uma coisa boa para mais gente, e uma exposição é boa para o artista, para quem compra, para o jornalista, para a gráfica uma porção de pessoas estão sendo indiretamente beneficiadas. Trabalho na arte há mais de vinte anos.

IZZA: O que você acha de Curitiba como mercado?

JOHANNA – Curitiba melhorou muito em termos de mercado. Se analisarmos Curitiba sozinha. Quando eu vim para cá, havia 5 ou 6 galerias em atividade, Acaiaca, Cocaco, Ida e Anita, Momento Arte e outras. Hoje existem 30 ou 40 galerias. Umas vão ficar, as profissionais que trabalham direitinho, e outras não, mas isso significa que coincidência de tempo ou talvez até motivada pelo fato de ter vindo uma pessoa de fora para dinamizar uma atividade, tenha despertado um interesse de mais pessoas por essa atividade e sendo arte benéfica, porque arte não é supérflua, é uma necessidade.

A convivência com a arte ou com a execução ou a apreciação com ela, abre o espirito e a cabeça muito mais do que o leigo possa imaginar. Foram feitos estudos na França. Existe até um livro “Arte Luxo ou Necessidade”. Selecionaram dois grupos de crianças de escola: um grupo só recebia aulas técnicas, e o outro grupo, algumas aulas eram substituídas por pintura, teatro, música e literatura. As crianças que tiveram menos aulas de exatas, mas tiveram artes, se desenvolveram muito mais nas exatas do que aquelas que só tiveram aulas de exatas.Isso significa que a arte é realmente uma necessidade, porque não podemos imaginar nosso organismo somente como uma máquina, deve haver uma compensação emocional e isso é a arte que vai proporcionar essa sensibilidade que é nata no ser humano, que o dia a dia da atual sociedade acaba por abafar, pelos compromissos, pelas horas.

Atualmente vivemos só pensando em negócios e trabalho, a pessoa não se dá mais a olhar um pôr-do-sol. Quantas vezes nos damos conta de olharmos para o céu, para uma noite estrelada, não há mais tempo para isso e, à medida em que se convive com a arte, a pessoa começa a despertar para muitas coisas que existem à sua volta e que são importantes. Voltando à sua pergunta, se analisarmos Curitiba isoladamente, acho que se houve grande desenvolvimento em termos de mercado de arte, se compararmos com capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, temos muito a fazer, mas não podemos esquecer também que temos um décimo da população deles. A gente chega lá. Toda a caminhada começa com o primeiro passo.

IZZA – Muitas pessoas vêem a arte como algo extremamente dispendioso, isso é uma realidade?

JOHANNA – Acontece que para termos uma coisa bonita e de qualidade não precisamos gastar muito dinheiro. Podemos ter uma boa obra e de qualidade, de artistas que ainda não tenham um curriculum tão extenso e não estejam ainda tão valorizados, e se a rigor formos a uma butique comprar uma roupa, gastamos mais do que compramos um óleo de um artista. E muito mais a questão de se despertar para esse lado do que de poder aquisitivo, porque eu notei que no início e, hoje ainda é um pouco assim, que as pessoas gastam três vezes mais numa roupa que é uma coisa que cai de moda do que numa obra que ela poderia usufruir a vida inteira. É uma questão de posicionamento.

IZZA – Para finalizar, adquirir obras de arte é investimento?

JOHANNA – Arte é investimento, bom gosto e cultura. Investimento financeiro, emocional, cultural. Para nós, brasileiros, associamos investimento com um prazo muito curto. Pensamos que compramos hoje e vendemos amanhã com um lucro fantástico. Quem tem origem ou formação européia, é diferente, porque vê a longo prazo. Claro, a obra é investimento porque tem aquele valor intrínseco que nunca vai perder mas se um dia quiser vender, dependendo do tempo que esteja com essa obra, terá lucro.

 

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