Carregando...

“UMA NOVA MANEIRA DE FAZER POLÍTICA” revela Rosa Maria Chiamulera

Postado em

 

Curitiba, 6 de setembro de 1987

 

Com seu jeito de ser e agir, a médica e vereadora Rosa Maria Chiamulera lançou uma nova maneira de fazer política no Paraná. É na defesa dos grupos carentes e dos discriminados, que Rosa busca argumentos para se justificar como vereadora. Formada em Pedagogia e Medicina com Pós-Graduação em Saúde Pública na USP, ela tem um currículo identificado com suas aspirações. Realizou curso de Economia e Política em Harvard e sobre Organização das Nações Unidas em Nova Iorque.

Foi funcionária da ONU e fez estágio em Medicina Comunitária na London School of Hygiene and Tropical Medicine, em Londres. Médica-sanitarista da Secretaria da Saúde e Bem-Estar Social, foi chefe do Centro de Saúde Ouvidor Pardinho. Integrante oficial da delegação brasileira junto à Conferência Internacional das Nações Unidas sobre População e Conferência Internacional de Parlamentares sobre População e Desenvolvimento, no México. De 83 a 84, foi presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal de Curitiba. É secretária-correspondente internacional e relações públicas da Associação Brasileira de Mulheres Médicas. Ex-apresentadora do Telejornal Hoje, Canal 12, atualmente é apresentadora e entrevistadora do Canal 2, além de radialista há mais de 15 anos, com programa atual na Rádio Cultura. Como presidente da Boca Rouge, versão feminina da Boca Maldita, vem promovendo eventos sociais e culturais, com o objetivo de integrar a comunidade feminina
paranaense, conscientizando-a sobre problemas de nosso tempo. Rosa inaugura uma nova maneira de fazer política, porque com seu jeitinho sensibiliza e atrai. Com vocês, Rosa Maria!

 

IZZA – Rosa, como você consegue conciliar sua vida como médica, vereadora e batalhadora das causas femininas?

ROSA – Bem, sempre marquei como ideal de vida, a necessidade de servir, prestando ajuda aos grupos mais carentes ou discriminados e sensibilizando as autoridades sobre os problemas sociais. Estou realizada como médica porque posso desempenhar, com dignidade, minha profissão. Sou contra o mercantilismo da medicina e, por razões que não me compete julgar, considero que a população carente merece assistência médica gratuita e eficiente. Isso eu procuro fazer.

IZZA – O que você faz concretamente pela mulher carente?

ROSA – Em Curitiba, presto assistência médica gratuita na Casa da Médica, na Clínica de Atendimento à Mulher da Associação Brasileira de Mulheres Médicas, à rua Marechal Deodoro, 1439, às quintas e sextas-feiras. No meu gabinete na Câmara Municipal de Curitiba, também procuro, na medida do possível, atender aos grupos carentes da periferia da cidade, que buscam por um medicamento, consulta ou uma orientação sobre como planejar a família.

IZZA – Por falar em planejamento familiar, como está este projeto em Curitiba? Ao que me consta, pouca coisa se faz neste sentido, não é mesmo?

ROSA – Esta é uma grande verdade. Pouco se faz em favor da mulher curitibana e paranaense. Parece-me que há um boicote contra a mulher, que continua sendo discriminada. Fala-se que é preciso acabar com a discriminação, mas pouco se faz objetivamente. Sabemos que o atual Governo, sequer colocou uma mulher em seu secretariado. Só no segundo escalão é que temos uma mulher representando nossa condição. Bem, você estava me perguntando sobre planejamento familiar. Pois é, o INAMPS propagou para todos os cantos do país que o planejamento, finalmente, sairia da teoria para a prática, com sua implantação em todos os estados. Isso não é verdade. Inexiste um serviço específico de atendimento primário de Saúde Pública à mulher. Na Câmara elaborei um projeto de lei visando a criação do Conselho Municipal de Planejamento Familiar com a finalidade de realizar convênios e angariar recursos para implantar nos Postos de Saúde em Curitiba, serviços de atendimento integral à mulher. O projeto poderia ser aprimorado com a inclusão da disciplina “Planejamento Familiar’’ em currículo das Universidades. Infelizmente, a proposta foi vetada pelo Sr. Prefeito. Um verdadeiro absurdo e mais uma discriminação contra a mulher.

Através do telefone 223-3022, foi criado um serviço de planejamento familiar, por nossa iniciativa. Você liga e obtém informações sobre os principais métodos contraceptivos. No dia a dia, continuamos realizando um trabalho de base, orientando a população sobre planejamento familiar através de palestras em colégios, centros sociais, associações de bairro e outros locais. Falamos sobre os métodos anticoncepcionais naturais e artificiais, suas vantagens e desvantagens.

IZZA – Que você me diz sobre a pílula e o aborto?

ROSA – Minha formação é cristã e, meus valores são aqueles transmitidos pela tradição judaico cristã. É inevitável que qualquer opinião que eu der sobre este assunto vai esbarrar na moral cristã. Considero porém, que dentro dos questionamentos modernos, das dificuldades extremas que passam as populações carentes, é imprescindível e urgente a implantação de um programa de planejamento familiar voltado às necessidades dos grupos mais pobres. Sou a favor da pílula e de qualquer outro método anticoncepcional aprovado pela ciência médica que venha a prevenir uma gravidez indesejável. Sou favorável aos métodos contraceptivos naturais, mais – e nisso até a Igreja Católica concorda – uma mulher não pode ser obrigada a dar à luz a um filho gerado através da violência de um estupro, aliás, considero que para se colocar uma criança no mundo, há de haver o desejo de procriar da mãe e do pai.

Nunca uma criança deveria nascer por acaso, e muito menos contra a vontade dos pais. Deveria também se estudar melhor as consequências de uma gestação forçada. Como médica devo zelar pela saúde da mãe e do feto. Há nascimentos com alto risco que precisam ser evitados. É aí que entra o planejamento familiar com sua política de orientação e prevenção de riscos fatais a saúde da mãe e de seu futuro filho. É preciso, também, lembrar que ocorrem pelo menos quatro milhões de abortos por ano no Brasil. E, a grande maioria acontece sem as mínimas condições de assepsia e higiene. Depois sobrevêm as infecções e a morte. São milhares de mulheres que morrem anualmente por causa disso. Ou que vão sobrecarregar o INAMPS, devido ao aborto mal feito gerando uma despesa desnecessária, que poderia ser melhor utilizada em programas de educação sexual e para a maternidade e paternidade responsáveis.

IZZA – Você teve alguma decepção como vereadora?

ROSA – Sim. Apresentei uma infinidade de projetos que beneficiariam a comunidade carente que foram vetados. Um dos projetos, criaria um órgão de assistência específica a mulher nos setores de saúde, profissional, jurídica e psicológica. As propostas por unanimidade eram aprovadas pelo parlamento municipal e, chegando ao Sr. Prefeito eram sumariamente vetadas ou engavetadas. Recomendei certa vez, através de uma proposta na Câmara a criação do “Rondon Urbano”, uma espécie de projeto Rondon para Curitiba em que jovens universitários, ao invés de viajarem para longas distâncias do país, dariam um pouco de seus conhecimentos e experiências universitárias às comunidades carentes dos bairros da nossa região. Este projeto também não vingou. Tive grandes dificuldades, como mulher e representando um partido minoritário, para que uma proposta fosse aprovada e executada.

IZZA – Como você vê a violência que se comete contra a mulher em nossa sociedade?

ROSA – Nós temos, em Curitiba, a Boca Rouge, uma espécie de Boca Maldita feminina que se reúne para discutir, analisar e propor formas para melhoria das condições sócio-econômicas. É um parlamento onde, democraticamente, o grupo feminino se posiciona sobre os problemas políticos e sociais de nossos tempos. Vemos com muita preocupação a violência contra a mulher. Há casos que comovem a sociedade, como o de “monstros” que estupram e estrangulam e, depois dizem irresponsavelmente – que estavam alcoolizados ou então não se lembram do que fizeram. Outros dizem que têm problemas psiquiátricos. Somos frontalmente contra a violência e o criminoso frio, como os dois recentes casos que tivemos em Curitiba, em que jovens mães ou menores de idade foram barbarizadas.

Defendemos a pena capital para esses “anti-sociais facínoras”. Mas há casos de que a imprensa e a política não tomam conhecimento. Tenho ouvido verdadeiros dramas que ocorrem contra a mulher, hostilizada pelo marido ou exposta a situações de vexame e ultraje na sociedade. Essas mulheres silenciam por medo de represálias, por temerem pela sorte de seus filhos, por serem tolerantes e esperarem que as coisas melhorem. Tenho um programa de rádio “A Hora e a Vez da Mulher e da Comunidade”, na Rádio Cultura, 903 quilohertz das 15 às 16 horas, diariamente, onde atendemos a comunidade com orientações de saúde, fazemos encaminhamento para emprego especialmente para donas de casa, empregadas domésticas, diaristas. No Canal 2, da TV Curitiba, apresento diariamente o “Zona Franca Gente”, das 19:30 às 20:00 horas, também procuro contribuir para que os assuntos abordados estimulem a luta contra a violência em toda a sua amplitude.

IZZA – Como é a vida pública e privada?

ROSA – É muito fácil achar uma mulher disposta a largar tudo em função da carreira do homem mas é muito difícil encontrar um homem que se prive de alguma comodidade em função da vida profissional de sua mulher. Em outras palavras a mulher sofre a incompreensão do marido quando a vê numa posição de liderança ou destaque nas atividades públicas.

IZZA – Você é feminista?

ROSA – Depende do que se entenda por feminismo. Sou a favor da justiça e igualdade de oportunidades para ambos os sexos. Sou a favor da paz e da compreensão entre homem e mulher. Acho que a mulher tem o mesmo potencial do homem para produzir e criar. Os desafios, para serem enfrentados, requerem a força feminina que deve ser prestigiada. A mulher deve ser respeitada em todos os campos de atuação, conforme suas potencialidades, em igualdade de condições. Queremos direitos iguais para responsabilidades iguais. Isso não é ser feminista. É justiça social.

IZZA – O que você já fez por Curitiba?

ROSA – Além de minha luta em defesa da mulher, apresentei uma série de projetos na área de saúde como: a inclusão no currículo das escolas municipais de informações sobre doenças sexualmente transmissíveis e métodos de prevenção, pedido de abertura de postos de saúde para atender vários bairros, fiscalização rigorosa de higiene em bares e lanchonetes, palestras sobre primeiros socorros e campanha contra a AIDS. Apresentei também propostas que foram viabilizadas nos setores de pavimentação em pelo menos quinze bairros, abertura de ruas, áreas de lazer, iluminação, creches para atender sete vilas, semáforos para quatro regiões, prolongamentos e ampliação de estradas ou linha de ônibus, etc.

Quanto a cultura, procuramos democratizar juntamente com programas de lazer e educação em todos os segmentos. Realizamos uma programação de aulas de teatro, artes cênicas e atividades artísticas às crianças carentes da periferia. Um projeto de lei sobre a inclusão de noções de defesa pessoal no currículo das escolas de primeiro e segundo graus, didática, similar para as escolas frequentadas por meninos e meninas, implantação de escolas nos bairros de Umbará e Jardim Pinheiros. Enfim, na vida política para se conseguir algo há que se persistir e não desanimar face aos empecilhos, e certamente, não dispenso a ajuda e o auxílio divino em todas as circunstâncias de minha vida. A fé em Deus é fundamental para se enfrentar todas as dificuldades, finalizou a Vereadora.

 

Enviar por e-mail
Verified by MonsterInsights